sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Revelação de heróis

Os bens culturais deixaram de ser um investimento de elite. Pelo contrário, são actualmente activos acessíveis e disputados em mercados competitivos de todo o mundo. No entanto, ao contrário dos produtos financeiros, a informação sobre este tipo de bens continua a estar encerrada num círculo restrito de conhecedores. Semanalmente, o Negócios irá contrariar esta tendência, revelando a informação privilegiada de um verdadeiro "insider"*, que, finalmente, acedeu a partilhar o que sabe.

Não nos é possível viver sem heróis, penso eu desde a adolescência, e talvez ainda mais nos dias de hoje, por razões que é desnecessário partilhar neste humilde espaço. A função mais conhecida dos heróis é a de nos fazerem sonhar, mas creio que há outras tão importantes. Ver o trabalho de um herói ilumina-nos, transforma-nos, faz-nos ser mais do que aquilo que alguma vez pensamos ser capazes de ser. É como se tivéssemos alguém a gritar por nós, que nos leva a eliminar todos os obstáculos. Os meus heróis foram sempre os "Originais" do Special Air Service (SAS), os soldados britânicos que criaram a primeira unidade especial militar, que combateram, primeiro, no deserto, através do Long Rang Desert Group, e depois numa série de missões até aos dias de hoje, especialmente contra o terrorismo. O que eles fizeram e fazem é absolutamente brilhante, mas apesar disso existiram sempre poucos registos das suas actividades, especialmente escritos.

Este enorme buraco de conhecimento e iluminação foi agora eliminado com a publicação, pelas Extraordinary Editions, uma casa britânica, do "SAS Wartime Diary 1941- 1945". O livro reúne todos os documentos oficiais da fundação do regimento, para começar. Mas o que é verdadeiramente fascinante é que partilha a história oficial, a partir dos relatórios dos homens do SAS, das primeiras missões. Como objecto, a edição é verdadeiramente notável, reunindo replicações dos relatórios, dos mapas, e fotografias dos operacionais. Mas a Extraordinary Edition quis estar à altura do documento que lhe foi confiado. Assim, a edição é de luxo, em várias versões, a mais cara vem numa réplica de uma caixa de munições, que constituem bons motivos de investimento. Foram feitas apenas 3450 cópias, com preços que vão dos 1200 euros aos 3000 euros. Toda a informação pode ser consultada em www.saswardiary.co.uk. Não tenho qualquer hesitação em considerar este livro como uma prioridade da liquidez disponível.
Um bom trabalho

No mundo saturado da moda e dos objectos utilitários, como são as carteiras e bolsas para objectos tecnológicos, há, afinal, sempre lugar para operações inovadoras. A Lapàporter (www.lapaporter.de), uma empresa de Berlim, surpreendeu-me com as suas propostas neste campo. Um design verdadeiramente único, materiais nobres e raros e, principalmente, edições extremamente limitadas ou "bespoken", a um nível global. Os objectos, das capas para computadores portáteis a bolsas para iPhone, são fantásticos, e, ao mesmo tempo, singulares. Um bom investimento, acredito.
*Nota ao leitor:
Peregrino Santa Clara tem um percurso relativamente raro para um cidadão português. Filho de um almirante português e de uma inglesa pertencente a uma das famílias mais poderosas da "City" londrina, Peregrino iniciou os seus estudos superiores em Oxford, a que se seguiu um mestrado em finanças em Harvard. No início dos anos 60, com pouco mais de 20 anos, foi contratado por uma casa de investimentos de Wall Street, como director de pesquisa. Poucos anos depois, passou a "partner", responsável pela Europa. A sua actividade obrigou-o a estadias constantes em Londres, Zurique, Paris e Milão, para além do Luxemburgo. As deslocações profissionais permitiram-lhe aprofundar um prazer de família: a investigação e o investimento em bens culturais.
Hoje, no ocaso da sua vida, Peregrino decidiu quebrar o seu valor mais precioso, o da discrição total, e partilhar com os leitores do Negócios os conhecimentos que adquiriu. Os textos são escritos na primeira pessoa para melhor reprodução do um olhar singular sobre os mundos a que só os iniciados têm acesso. JV
Fonte:http://www.jornaldenegocios.pt/especiais/weekend/detalhe/2012_11_30_revelacao_de_herois.html acesso em 30/11/2012.

Bens Culturais Novo número da revista «Invenire»

Lisboa, 07 nov 2012 (Ecclesia) – O número 5 da revista de Bens Culturais da Igreja – Invenire - acaba de ser publicado e apresenta o resultado de três investigações da autoria das historiadoras Isabel Cepeda, Sílvia Ferreira e Cristina Fernandes.
As investigações das historiadoras escrevem sobre “uma rica coleção de livros de coro quinhentistas”, “o papel do desenho no processo criativo da talha dourada” e “a impressionante atividade musical da igreja Patriarcal de Lisboa”, revela o site deste organismo.
Com um Portfolio temático “dedicado à estatuária barroca”, onde se apresenta uma “seleção de peças ilustrativas do longo ciclo produtivo de Setecentos, propõe-se ainda o conhecimento de um conjunto de obras de arte oriundas de várias dioceses”,lê-se.
Com este número, inicia-se também a rubrica «Perfil» onde se dá a conhecer “os mais diretos intervenientes no património da Igreja em Portugal, seu trajeto, desafios e aspirações”.
Encerra este número um “assertivo artigo de opinião” assinado por D. Pio Alves, presidente da Comissão Episcopal da Cultura, Bens Culturais e Comunicações Sociais.
Fonte: http://www.agencia.ecclesia.pt/cgi-bin/noticia.pl?&id=93166 acesso em 30/11/2012.

Ibram lança prêmios Pontos de Memória e Modernização de Museu

O Instituto Brasileiro de Museus (Ibram) está com os editais do Prêmio Pontos de Memória – Edição 2012 e Modernização de Museus abertos. Pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos poderão participar do Prêmio Pontos de Memória, que tem por objetivo premiar 60 iniciativas de memória e museologia social, visando reconhecer, incentivar e fomentar a continuidade e sustentabilidade na perspectiva do Programa Pontos de Memória. 

Serão reconhecidas 50 iniciativas desenvolvidas por grupos, povos e comunidades em âmbito nacional, com R$ 30 mil cada, e outras 10 iniciativas de brasileiros no exterior, que se caracterizem por ações de registro e representação da sua memória, com R$ 50 mil cada. Os recursos deverão ser utilizados para despesas ligadas ao aprimoramento da iniciativa de memória social ou processo museal. 

As inscrições poderão ser realizadas do dia 22 de novembro até o dia 13 de fevereiro. Com recursos totais de R$ 1,2 milhão, o Prêmio de Modernização de Museus – Microprojetos selecionará 50 projetos em quatro categorias com prêmios entre R$ 10 mil e R$ 50 mil. O objetivo é fomentar e desenvolver ações destinadas à preservação e difusão do patrimônio museológico. 

As iniciativas devem ser implementadas por instituições museológicas ou mantenedores de museus, constituídos como pessoas jurídicas de direito público e pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos, com finalidade cultural. Para esse edital, o período de inscrições vai até 24 de janeiro. 

Prêmio Darcy Ribeiro – O Ibram também divulgou o resultado da 5ª edição do Prêmio Darcy Ribeiro. Quinze ações serão contempladas com incentivo de R$ 10 mil cada. Os estados da Bahia, Goiás, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo tiveram iniciativas vencedoras. 

Foram premiadas práticas e ações de educação museal que, por meio das diversas relações de mediação com os públicos, convidem à apropriação, em sentido amplo, do patrimônio cultural, valorizando-o e promovendo sua preservação. Além dos 15 vencedores, a comissão de seleção também fez cinco menções honrosas. 



Fonte: http://www.diariodecuiaba.com.br/detalhe.php?cod=421820 acesso em 30/'11/2012.

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

3.000 livros grátis para download.


A USP  tem um site que disponibiliza 3.000 livros para download. Ao entrar no www.brasiliana.usp.br o internauta encontra livros raros, documentos históricos, manuscritos e imagens que são parte do acervo da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, doada à universidade.

Há planos de aumentar o catálogo para 25 mil títulos e incluir primeiras edições de Machado de Assis e de Hans Staden.
Boa leitura!

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Miroslav Tichý

Por mais de 20 anos, a população de Kyjov, cidade da Morávia com pouco mais de 12 mil habitantes, acompanhou de longe um andarilho, maltrapilho e barbudo, que vagava pelas ruas da República Checa com câmeras fotográficas caseiras feitas de papelão e outros materiais improvisados.

Miroslav Tichý buscava em praças, parques, piscinas, estação rodoviária e outros locais públicos, seu objeto de desejo
 e obsessão: as formas femininas. Entre as décadas de 60 e 80, Tichý disparou de forma clandestina cerca de 90 fotos por dia. Depois seguia para sua casa, onde num laboratório improvisado imprimia as imagens que se espalhavam pelos cômodos.
Visto ora como excêntrico, ora como louco, a grande maioria de suas “modelos” não tinha conhecimento que estavam sendo fotografadas, e, outras, não acreditavam que as câmeras feitas de tubos de papelão eram reais, o que resultava em poses gratuitas. Muita gente pensava que ele só fazia de conta que fotografava quando o via escondido atrás de arbustos da cidade. A soma dessa experiência é um acervo gigantesco, que captura uma realidade sensual e onírica, de um artista pouco convencional. O que se vê são mulheres fotografadas em todos os ângulos, às vezes, em corpo nu, outras limitadas a pés, pernas, costas, nádegas.

Nascido em 1926, Tichý estudou pintura na Academia de Belas Artes, em Praga, logo após a Segunda Guerra Mundial. Considerado como um talentoso pintor e desenhista (influenciado por Picasso e os expressionistas alemães), ele não concordava com o sistema político vigente na época, e, em 1948, quando o Partido Comunista Checo assumiu o controle do País, inaugurando mais de quatro décadas de ditadura, ele abandonou o mundo da arte oficial, e se aliou a um grupo de artistas que era constantemente ameaçado e vigiado pelo regime.

Propenso a colapsos mentais desde a juventude, Tichý trabalhou ao lado de seus colegas até um episódio psicótico ocorrido pouco antes de uma exposição prevista em 1957, de onde retirou suas pinturas. Sua obra não foi exibida novamente até bem recentemente. Em 1960, começou a fotografar.

Ao longo dos anos, seu estilo de vida não-conformista, bem como sua doença mental, o colocaram em apuros com as autoridades, resultando em períodos de confinamento em instituições psiquiátricas e a perda de seu estúdio em 1972. Apesar de nunca ter parado de produzir pinturas e desenhos, Tichý focou sua atenção na fotografia única e exclusivamente para satisfazer sua visão artística da essência feminina. Usava o dinheiro da pensão por invalidez para comprar filme, papel e químicos para revelação.

Em 1981, seu acervo pessoal, até então secreto, foi descoberto pelo vizinho e psiquiatra Roman Buxbaum, sobrinho de um médico de Kyjov que havia tratado dele em várias internações por problemas mentais. Buxbaum iniciou então um esforço para documentar e preservar as fotografias que já se deterioravam, além de produzir um documentário chamado “Tarzan aposentado” (2004), expressão originada da explicação que o próprio artista dava quando perguntavam o que ele fazia da vida.

Só há seis anos, depois de ganhar em 2004 o Prêmio da 1.ª Bienal de Arte Contemporânea de Sevilha, Tichý começou a ser conhecido fora de Kyjov. Não parou mais: museus de todo o mundo começaram a se interessar pelo excêntrico e recluso artista.

Em 2010, o International Center of Photography (ICP), em Nova York, realizou a primeira mostra feita por um museu americano do fotógrafo Miroslav Tichý. Hoje, aos 84 anos, e quase cinco décadas depois de ter desistido de ser pintor, suas fotografias borradas, melancólicas, eróticas e voyeurísticas o levaram a ser reconhecido como artista. Em suas palavras: “O erro faz parte disso, e isso é a poesia".


fonte: http://www.facebook.com/DigitallTeam

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Conceito de Gestão Cultural


GESTÃO CULTURAL é um termo relativamente recente no cenário cultural brasileiro.
Pressupõe procedimentos administrativos e operacionais, mas não se resume a estes.
Pressupõe a gerência de processos no campo da Cultura e da Arte, mas lhes vai além.

Para melhor conceituarmos o campo da Gestão Cultural, podemos articulá-lo à idéia de mediação de processos de produção material e imaterial de bens culturais e de mediação de agentes sociais os mais diversos. Mediação que busca estimular os processos de criação e de fruição de bens culturais, assim como estimular as práticas de coesão social e de sociabilidade.

A GESTÃO CULTURAL articula ao menos três campos conceituais: Cultura, Economia e Urbanismo. Cultura entendida como expressões humanas das nossas necessidades simbólicas (materiais e imateriais) e de nossos desejos. Economia no seu sentido clássico: sistema de produção e troca de bens, de maneira a que todos tenham acesso à produção e usufruto do que é produzido pelo trabalho humano. Urbanismo enquanto ciência afeta às relações do homem com seus locais de práticas culturais, e –portanto- um campo de estudo articulado à História, à Sociologia e à Antropologia. Produção, recepção e percepção dos espaços e das relações que neles se dão; ou seja, enquanto estudos capazes de reforçar a sociabilidade e os elos de coesão humana. Entendendo a produção dos lugares tanto em sua dimensão física quanto simbólica.

O propósito é, de fato, conceituar o campo da gestão cultural com todos esses contornos amplos ou mesmo sem contornos precisos, pois é um campo de ação que envolve fatos humanos conscientes e inconscientes. O gestor da cultura é alguém que estabelece com seu objeto e com os sujeitos nele envolvidos relações de compartilhamento de gestão e de responsabilidades, e os entende como processos –dinâmicos, ambíguos e sujeitos a significações diversas.

Como operar neste campo de modo sistêmico? Simples... Entendendo que as realidades culturais –e todas são- precisam ser diagnosticadas segundo “escutas” precisas e desprendidas de idéias pré-concebidas. Entendendo que a realidade nos fornece a possibilidade que precisamos para ver e aprender com ela, sendo justamente este espaço de mediação que a torna concreta, conquanto possamos abrir devidamente olhos e ouvidos. Sentir potenciais, responder anseios e mesmo ampliá-los, reconhecer diferentes e particularizados modos de agir e de sentir. Planejar segundo os fazeres e os quereres que os diversos indivíduos e grupos deixam aflorar de seus cotidianos.

Buscando ser mais objetivo, pode-se dizer que a GESTÃO CULTURAL articula planejamento, operacionalização e mediação. Planejamento de eventos, de programas, de ações, de processos e de políticas em cultura. Operacionalização técnica, financeira, física e humana. Mediação de agentes diversos: governamentais, não-governamentais e comunitários; empresariais, cooperativados ou informais; produtores, viabilizadores e fruidores. E segundo perspectivas temporais que vão do curto ao longo prazo.

Neste site o leitor encontrará artigos que ajudarão a dar contornos mais eficazes e reflexões melhor elaboradas que ajudarão e entender a GESTÃO CULTURAL e a defesa do PATRIMÔNIO CULTURAL MATERIAL E IMATERIAL

fonte:http://www.blogger.com/blogger.g?blogID=498388016417240159#allposts

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Nomadismo: uma reflexão sobre a figura do malandro



Em seu texto "Entre o passado e o futuro" a filosofa alemã, ARENDT (1972, p.41). afirmava "Meu pressuposto é que o pensamento emerge de incidentes da experiência viva e a eles deve permanecer ligado, já que são os únicos marcos por onde pode obter orientação."  É um desses  pequenos fragmentos da vida que este texto pretende colocar em discussão: a figura do Malandro e o papel que ele representa no imaginário brasileiro, em especial nas grandes metrópoles.
Destes elementos extraídos de nossas experiências temos que destacar também o papel dos símbolos  que possuem o sentido que os homens vão redescobrindo, sendo desvelados pela crítica e pela manifestação intelectual humana. RICOEUR (1978) argumenta que toda estrutura de significação tem um sentido direto, primeiro, literal que designa,  e por acréscimo, outro sentido indireto, secundário, figurado, que só pode ser aprendido através do primeiro.
 O imaginário brasileiro esta permeado desses dois símbolos tradicionais - o trabalhador “Mané”, “Caxias” e o contra ponto o Malandro, o “esperto”. Tantas vezes retratado, nas peças culturais populares, na música, na poesia, no teatro, na literatura, cinema e diversas outras manifestações sociais da memória coletiva, inclusive nas religiões de matriz afrodescendentes.
Percorrendo os muitos caminhos traçados pelo malandro na memória do povo brasileiro, principalmente no imaginário  daqueles trabalhadores de origem humilde e desfavorecidos socialmente, vamos encontra-lo como descrito,  poeticamente,  por Zé Keti na sua música “Diz que fui por ai”: “em qualquer esquina eu paro, em qualquer botequim eu entro, e seu houver motivo é mais um samba que faço...”.
Nos ritos africanos vamos encontra-lo na figura do seu “Zé”, de muitos nomes: Zé Pelintra, Zé Malandrinho, Seu Malandro, Malandro das Almas, Zé da Brilhantina, Malandro da Madrugada, Zé Malandro, Zé Pretinho, Zé da Navalha, Zé do Morro, Malandro Miguel, Malandro da Noite, e tantos outros. Apresenta-se também nas representações femininas da malandragem -  Maria Navalha é uma delas. Manifesta-se com características semelhantes aos malandros, dança, samba, bebe e fuma da mesma maneira. Apesar do aspecto forte e decidido, demonstram sempre muita feminilidade, são vaidosas, gostam de presentes bonitos, de flores principalmente vermelhas. Segundo a crença popular, recebeu a missão de voltar na terra para defendendo as mulheres que são traídas e mal amadas.
Examinando as cantigas, de tradição oral, entoada para estas entidades para a sua manifestação vemos como recorrentes as expressões de aversão ao trabalho “Trabalhar, trabalhar para quê? Se eu trabalhar eu vou morrer” - como neste “ponto” de Zé Pelintra. O uso de armas brancas: punhal, navalha, faca e o uso de golpes de capoeira, a bebida em excesso e a noite como substituta do dia, a rua em contraposição ao lar, todos elementos de profundo significado sociológicos.       
 Um tipo boêmio, errante, avesso as regras estabelecidas, amigo dos amigos, implacável com os desafetos, sempre disposto a cometer pequenos delitos para ganhar a vida em mais um dia que passa. Para o malandro não existe futuro, vive o seu cotidiano como se fosse tudo que possuísse. Não que não se vanglorie de  um que outro feito do passado, de um otário vencido ou de uma mulher conquistada. Aliás, a vida romântica para ele  é tão sem regras como seu código de conduta, bebe, chora, perdoa, mata e morre por seus amores.
Apresenta uma vestimenta particular, terno branco, camisa listrada, sapato de duas cores, chapéu e às vezes um canivete no cinto e uma navalha no bolso.
O antropólogo DaMatta (1981) coloca os tipos do malandro e do caxias (em alusão ao patrono do exercito brasileiro) em um continuum que vai da ordem a desordem ainda que com diversos matizes coloridos que vão se estabelecendo em uma complexidade que vai do mundo do carnaval a malandros e heróis. Em outra obra sua Da Matta (1997) assinala as diferenças entre a casa e a rua como espaços muito além dos físicos, conceitos muito mais amplos e repletos de significados. Afirma que  o conjunto de valores de um indivíduo varia radicalmente conforme o contexto em que ele se encontra: no ambiente de sua casa, o indivíduo tende se mais conservador, estático, comedido. Na rua, por outro lado, aceita que todos devem ser tratados de forma igual, de modo a manter a ordem que teme não existir na rua.
 O contraste entre os dois conceitos é claro: a casa é o espaço da família, do diálogo, da afetividade. A rua é o espaço da impessoalidade, do isolamento. A casa é o espaço da ordem enquanto a rua o reino da liberdade. A casa, sobretudo, fala de relações harmoniosas e quando “somos postos para fora de casa”, acabamos por relacionar a rua como expulsos para o mundo - regidos por regras e leis impessoais que estamos submetidos a cumprir. A rua e seus espaços são lugares do anonimato, da “consequência dos seus atos” e por isso, tendemos a relacioná-la a um espaço de risco.
Claro, temos  casos muito onde a casa invade a rua e vice-versa. Onde a ordem é substituída por outras lógicas  como é o caso do Carnaval, no Bumba Meu Boi, dos Festejos Juninos e tantas outras festas populares, onde o coletivo e o privado fazem trocas e formam novos comportamentos e atitudes.
MAFFESOLI (2001) vai contribui para a discussão da articulação da figura do malandro, do vagabundo, do errante ao contrapô-los a referência do homem fixo, preso a um determinado espaço. No contraditório  nomadismo—sedentarismo se expressa um paroxísmo, ganhando a forma de uma espécie de "enraizamento dinâmico". É um sinal do sentimento trágico da existência: nada se finda numa superação sintética, tudo transcorre em tensão, na incompletude permanente. E segundo esse  autor, "ainda será preciso que os dois polos dessa ambivalência possam se articular harmoniosamente". Tendo se tornado preponderante na modernidade, o sedentarismo, a territorialização individual (identidade) ou social (instituição) estariam dando lugar ao nomadismo e à errância. A pós-modernidade se caracterizaria assim, entre outras coisas, pela mobilidade e pelo nomadismo. Maffesoli acredita que a errância e o nomadismo, sob diversas variações, tornam-se um fato cada vez mais evidente e semeiam os elementos da contradição que farão nascer o novo, o inesperado e o coletivo.
E o nosso malandro? Errante, avesso a ordem, libertário, representação de muitos anseios humanos, não é esse profeta que anuncia uma nova era, de novos valores?  Não é na rua que pulsa a vida, que se manifesta a contradição e tenciona a construção de uma nova síntese?

 HIRÃ SOARES JUSTO

REFERENCIAS

DAMATTA, Roberto. Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia de dilema brasileiro. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.
DAMATTA, Roberto. A casa e a rua: Espaço, cidadania, mulher e morte no Brasil. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.
HANNAH, Arendt. Entre o passado e o futuro. São Paulo: Editora Perspectiva, 1972.
MAFFESOLI, Michel. Sobre o Nomadismo: vagabundagens pós-modernas,  Rio de Janeiro,Record, 2001.
RICOEUR, Paul. - O conflito das interpretações. 1978. Ed. Imago. Rio de Janeiro.
XANGO, C. Malandros. Acesso em 30 de 10 de 2012, disponível no blog da Casa de Caridade Pai Joaquim de Angola: http://casadecaridadepaiserafim.blogspot.com.br/2008/10/malandros-nesta-apostila-vamos-falar-de.html