CELSO BEJARANO E OSCAR ROCHA
Exatos 150 anos atrás (27 de dezembro de 1864), segundo cálculos de historiadores, deflagrava-se em Forte Coimbra, distrito de Corumbá, perto da fronteira de Mato Grosso do Sul com a Bolívia, o mais sangrento dos duelos armados da América Latina, a Guerra do Paraguai, país que lutou sozinho contra a chamada Tríplice Aliança, combinado composto por Brasil, Argentina e Uruguai.
À época, depois de saquearem o comércio da cidade de Corumbá, 2,3 mil soldados paraguaios avançaram sobre o Forte, obrigando a rendição de militares e civis que ali moravam, em torno de 200 pessoas.
Dali em diante, batalhas se espalharam até março de 1870, período de seis anos. Resultado do confronto: venceram os países que se aliaram. Sequela do combate: além dos danos financeiros, embora números não 100% confiáveis indicam a morte de ao menos 300 mil pessoas entre civis e militares, dos quais em torno de 200 mil eram nascidos no Paraguai, nação vizinha que, à época, tinha entre 650 mil a 800 mil habitantes.
Até o motivo da guerra ainda é dúvida para os pesquisadores, a mais aceita das versões seria a de que o ditador paraguaio, Francisco Solano Lopes, queria expandir seu território com a intenção de manter o domínio sobre navegação que ligaria seu país ao oceânico atlântico.
O desfecho da briga mudou a história de Mato Grosso do Sul. Se os paraguaios vencessem, por exemplo, ao menos 15 municípios de MS seriam deles.
PONTO DE VISTA
Doutora em História Social pela Universidade de São Paulo e professora da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Ana Paula Squinelo explica a razão de a Guerra do Paraguai parecer um fato vivo para o povo paraguaio, enquanto no Brasil, apenas um elemento da história do século 19.
Doutora em História Social pela Universidade de São Paulo e professora da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Ana Paula Squinelo explica a razão de a Guerra do Paraguai parecer um fato vivo para o povo paraguaio, enquanto no Brasil, apenas um elemento da história do século 19.
“É fato que no Paraguai os eventos concernentes à Guerra do Paraguai ganham outras dimensões, seja na memória ou na história da população guarani, trata-se de um conflito que dizimou parte significativa da população, seja nos aspectos demográficos, como nos relacionados à economia. O Paraguai foi destruído ao longo dos cinco anos de guerra e, após esta, teve de conviver com um longo período de ocupação das forças aliadas. Nesse sentido, os eventos relacionados à guerra ainda se fazem presentes no imaginário da nação paraguaia à medida que parte de seu atraso econômico, por exemplo, é creditado ainda por uma parte da população, a experiência bélica; desta forma, esse passado é cotidianamente relembrado pela história e na memória presente”.
Mato Grosso do Sul está diretamente ligado à guerra de 150 anos atrás, mas o assunto não é tratado como deveria. O que deveria ser feito no Estado para evidenciar a importância do conflito?
Para Ana Paula, o problema é que no Estado de MS a temática Guerra do Paraguai foi apropriada pela elite e por diferenciados projetos governamentais com o intuito de forjar uma história e uma memória que atenda aos preceitos de um determinado grupo social. Em momentos distintos da história do estado, a guerra foi “revisitada”; isso ocorreu, por exemplo, no processo pós-divisão do estado quando da escrita da história sul-mato-grossense na qual os eventos relacionados à Guerra do Paraguai foram privilegiados na construção da história sul-mato-grossense, assim como em projetos governamentais como os da “Trilha da Retirada da Laguna”, à época do governo do PT. Em nem um momento o assunto foi abordado de forma séria e relevante, fato é, por exemplo, que os monumentos comemorativos existentes nos municípios (Coxim, Nioaque, Aquidauana, Corumbá, Dourados, Antônio João, etc.) que foram palco da guerra hoje não possuem significado nenhum para a população. Forjou-se uma memória oficial do conflito guarani e esta não encontra ressonância na população”.
Fonte: Correio do Estado