quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Arte latino-americana bate recordes em Nova York

'Hacia la Torre', de Remedios Varo. / AP
Fragmento do mural 'Rio Juchitán', de Rivera / AP


“Vamos, que tenho mesa reservada para jantar”, lançou em tom de brincadeira a porto-riquenha Gabriela Palmieri, responsável pelo primeiro dos três leilões de arte latino-americana que acontecem por estes dias na Sotheby's de Nova York, depois de fixar um preço de venda de 509.000 dólares (cerca de 1,288 milhão de reais) por um autorretrato do mexicano David Alfaro Siqueiros. Ficavam ainda por leiloar 19 dos 40 lotes da coleção do falecido magnata mexicano Lorenzo Zambrano, uma das melhores do continente, em uma noite de recordes que deixou, também, um certo sabor agridoce.

O leilão, o maior de arte latino-americana de um só colecionador e o que mais dinheiro arrecadou até hoje 17,6 milhões de dólares (44,4 milhões de reais), permitiu vender 85% dos lotes e estabeleceu recordes de cotação para doze dos artistas representados, a maioria deles da primeira metade do século passado. Duas mulheres, a espanhola naturalizada mexicana Remedios Varo e a inglesa naturalizada mexicana Leonora Carrington foram as principais atrações da noite.

Hacia la Torre, de Remedios Varo, uma das melhores obras da coleção, foi vendida por 4,3 milhões de dólares, muito acima do preço estimado (2,5/3,5 milhões), depois de uma árdua e emocionante batalha entre três interessados. É o segundo preço mais alto alcançado por uma artista latino-americana em um leilão. O recorde pertence à também mexicana Frida Kahlo. Las Tentaciones de San Antonio, de Carrington, foi adquirida por 2,6 milhões.

O “acidente” da noite, como qualificou o comissário de arte latino-americana da Sotheby’s, Axel Stein, aconteceu com a obra mais importante da coleção Zambrano, o monumental mural Río Juchitán, de Diego Rivera, formado por quatro blocos que não puderam ser mostrados em Nova York. A obra não foi vendida em virtude do poder da casa de leilões de se recusar a fazê-lo caso as ofertas não alcançassem o preço de reserva fixado com os vendedores. O preço de reserva de Río Juchitán superava os 6 milhões de dólares. A oferta mais alta foi de 4,9 milhões.

Circunstância semelhante envolveu outra das maravilhas do catálogo, Naturaleza Muerta, de Rufino Tamayo. Seu preço estimado estava em torno dos 4 milhões, mas a oferta mais alta ficou em 2,4. O fracasso na venda dessas duas obras-primas fez com que a arrecadação total ficasse em 17,6 milhões de dólares, embora a Sotheby's tivesse calculado um valor superior aos 30 milhões. Também ficaram sem vender obras de menor valor de María Esquerdo, Fernando Botero e Javier Marín. No total, foram vendidos 34 dos 40 lotes. Esse primeiro leilão, intitulado Uma visão de grandeza, será sucedido por outro da mesma coleção, em maio, com mais 30 obras.

 “Estou satisfeito. Nas atuais circunstâncias, foi um bom leilão. E o mural de Rivera será vendido mais adiante, estou convencido. O problema hoje é que o mural era muito caro para os clientes que concorreram”, explicou Stein. “Em todo caso, fomos testemunhas de uma venda histórica, com colecionadores lutando para comprar uma parte da maravilhosa coleção Zambrano, cheia de tesouros da metade do século passado, obras-primas do surrealismo e a maior coleção de autorretratos de artistas latino-americanos vista em um leilão”, acrescentou.

Entre os artistas que tiveram a cotação muito melhorada estão Rodolfo Neto (La Raison du Plus Fort), Tomas Sánchez (Meditador y Laguna Escondida en el Bosque), Rodolfo Morales (Canasta de Flores), Julio Galán (Naturaleza Muerta), Ángel Zárraga (Futbolistas en el Llano), Carlos Mérida (Autorretrato), Ana Mercedes Hoyos (Mural en Tres Partes), Armando Morales (Selva Tropical), Jorge González Camarena (Proyecto para el Mural de la Constitución de 1917), Juan Soriano (Retrato de Lola Álvarez con Juan Soriano Niño) e Roberto Montenegro (Autorretrato en Bola de Cristal).Algumas peças do primeiro lote, obras de Diego Rivera, David Alfaro Siqueiros e José Clemente Orozco são consideradas patrimônio nacional mexicano, por isso foram vendidas a colecionadores radicados no México.

Stein considera que a legislação mexicana é uma “prisão” para a arte. De fato, a lei federal mexicana sobre monumentos e zonas arqueológicas, artísticas e históricas vai contra a UNESCO e sua lei de livre circulação de obras de arte, conforme afirma o comissário da Sotheby's.



A maior parte das obras foi adquirida na segunda-feira por colecionadores dos Estados Unidos, México, Canadá, Inglaterra, Venezuela e Colômbia. Nenhum deles quis se identificar.

Lorenzo Zambrano, ex-presidente da Cemex, uma das maiores cimenteiras do mundo, que morreu em maio em Madri de ataque cardíaco durante uma viagem de negócios, tinha uma das melhores coleções de arte da América Latina. O magnata, uma das principais fortunas do México, acumulou obras de artistas do século XX. Para os críticos, a coleção tem um fio condutor indiscutível: a profundidade e a espiritualidade do ser humano.

Além do grande mural de Diego Rivera, destacam-se pinturas e uma escultura de outro mexicano, Rufino Tamayo, além de obras de José Clemente Orozco, David Alfaro Siqueiros e outros como Roberto Montenegro e Juan Soriano. Também há peças de estrangeiros do século XIX, como o norte-americano Conrad Wise Chapman. Além disso, foram leiloadas obras dos cubanos Wilfredo Lam e Tomás Sánchez, dos colombianos Fernando Botero e Ana Mercedes Hoyos, do venezuelano Armando Reverón, do chileno Claudio Bravo, do nicaraguense Armando Morais e do guatemalteco Carlos Mérida.

Zambrano não era casado e não teve filhos, por isso o lucro dos leilões irá para a sua família. Entre suas principais paixões estavam colecionar arte e apoiar o mundo da cultura, principalmente em sua cidade natal, Monterrey, onde era membro do conselho do Museu de Arte Contemporânea da cidade. Ao lado do amigo Gabriel García Márquez, criou o prêmio concedido pela Fundação Novo Jornalismo Ibero-americano, do também falecido escritor colombiano. Gabo chamava Lorenzo Zambrano de O Magnífico.

Por seu lado, a Christie's realizou na segunda-feira a primeira das duas jornadas consecutivas de leilões de arte latino-americana. A melhor obra era do mexicano Ramos Martínez, Mujer con Flores, com preço estimado entre 2 e 3 milhões de dólares. Foi arrematada por 2 milhões.

A Christie's também vendeu um lote de duas enormes estátuas de bronze do colombiano Fernando Botero, Adán y Eva, vendidas por 2,5 milhões de dólares, um recorde mundial do artista em um leilão. Um óleo de Botero, Homenaje a Bonnard, com preço estimado entre 800.000 dólares e 1,2 milhão, não foi vendido porque não alcançou o valor mínimo previsto. O primeiro dia do leilão de arte latino-americana da Christie's terminou com um total de vendas de 20,18 milhões de dólares.

 Fonte: El País

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