'Hacia la Torre', de Remedios Varo. / AP |
Fragmento do mural 'Rio Juchitán', de Rivera / AP |
VICENTE JIMÉNEZ Nova York 26 NOV 2014 - 09:26 BRST
“Vamos, que tenho mesa reservada para jantar”,
lançou em tom de brincadeira a porto-riquenha Gabriela Palmieri, responsável
pelo primeiro dos três leilões de arte latino-americana que acontecem por estes
dias na Sotheby's de Nova York, depois de fixar um preço de venda de 509.000
dólares (cerca de 1,288 milhão de reais) por um autorretrato do mexicano David
Alfaro Siqueiros. Ficavam ainda por leiloar 19 dos 40 lotes da coleção do
falecido magnata mexicano Lorenzo Zambrano, uma das melhores do continente, em
uma noite de recordes que deixou, também, um certo sabor agridoce.
O leilão, o maior de arte latino-americana de um
só colecionador e o que mais dinheiro arrecadou até hoje 17,6 milhões de
dólares (44,4 milhões de reais), permitiu vender 85% dos lotes e estabeleceu
recordes de cotação para doze dos artistas representados, a maioria deles da primeira
metade do século passado. Duas mulheres, a espanhola naturalizada mexicana
Remedios Varo e a inglesa naturalizada mexicana Leonora Carrington foram as
principais atrações da noite.
Hacia la Torre, de Remedios Varo, uma das melhores
obras da coleção, foi vendida por 4,3 milhões de dólares, muito acima do preço
estimado (2,5/3,5 milhões), depois de uma árdua e emocionante batalha entre
três interessados. É o segundo preço mais alto alcançado por uma artista
latino-americana em um leilão. O recorde pertence à também mexicana Frida
Kahlo. Las Tentaciones de San Antonio, de Carrington, foi adquirida por 2,6
milhões.
O “acidente” da noite, como qualificou o
comissário de arte latino-americana da Sotheby’s, Axel Stein, aconteceu com a
obra mais importante da coleção Zambrano, o monumental mural Río Juchitán, de
Diego Rivera, formado por quatro blocos que não puderam ser mostrados em Nova
York. A obra não foi vendida em virtude do poder da casa de leilões de se
recusar a fazê-lo caso as ofertas não alcançassem o preço de reserva fixado com
os vendedores. O preço de reserva de Río Juchitán superava os 6 milhões de dólares.
A oferta mais alta foi de 4,9 milhões.
Circunstância semelhante envolveu outra das
maravilhas do catálogo, Naturaleza Muerta, de Rufino Tamayo. Seu preço estimado
estava em torno dos 4 milhões, mas a oferta mais alta ficou em 2,4. O fracasso
na venda dessas duas obras-primas fez com que a arrecadação total ficasse em
17,6 milhões de dólares, embora a Sotheby's tivesse calculado um valor superior
aos 30 milhões. Também ficaram sem vender obras de menor valor de María
Esquerdo, Fernando Botero e Javier Marín. No total, foram vendidos 34 dos 40
lotes. Esse primeiro leilão, intitulado Uma visão de grandeza, será sucedido
por outro da mesma coleção, em maio, com mais 30 obras.
“Estou
satisfeito. Nas atuais circunstâncias, foi um bom leilão. E o mural de Rivera
será vendido mais adiante, estou convencido. O problema hoje é que o mural era
muito caro para os clientes que concorreram”, explicou Stein. “Em todo caso,
fomos testemunhas de uma venda histórica, com colecionadores lutando para
comprar uma parte da maravilhosa coleção Zambrano, cheia de tesouros da metade
do século passado, obras-primas do surrealismo e a maior coleção de
autorretratos de artistas latino-americanos vista em um leilão”, acrescentou.
Entre os artistas que tiveram a cotação muito
melhorada estão Rodolfo Neto (La Raison du Plus Fort), Tomas Sánchez (Meditador
y Laguna Escondida en el Bosque), Rodolfo Morales (Canasta de Flores), Julio
Galán (Naturaleza Muerta), Ángel Zárraga (Futbolistas en el Llano), Carlos
Mérida (Autorretrato), Ana Mercedes Hoyos (Mural en Tres Partes), Armando
Morales (Selva Tropical), Jorge González Camarena (Proyecto para el Mural de la
Constitución de 1917), Juan Soriano (Retrato de Lola Álvarez con Juan Soriano Niño)
e Roberto Montenegro (Autorretrato en Bola de Cristal).Algumas peças do
primeiro lote, obras de Diego Rivera, David Alfaro Siqueiros e José Clemente
Orozco são consideradas patrimônio nacional mexicano, por isso foram vendidas a
colecionadores radicados no México.
Stein considera que a legislação mexicana é uma
“prisão” para a arte. De fato, a lei federal mexicana sobre monumentos e zonas
arqueológicas, artísticas e históricas vai contra a UNESCO e sua lei de livre
circulação de obras de arte, conforme afirma o comissário da Sotheby's.
A maior parte das obras foi adquirida na
segunda-feira por colecionadores dos Estados Unidos, México, Canadá,
Inglaterra, Venezuela e Colômbia. Nenhum deles quis se identificar.
Lorenzo Zambrano, ex-presidente da Cemex, uma das
maiores cimenteiras do mundo, que morreu em maio em Madri de ataque cardíaco
durante uma viagem de negócios, tinha uma das melhores coleções de arte da
América Latina. O magnata, uma das principais fortunas do México, acumulou
obras de artistas do século XX. Para os críticos, a coleção tem um fio condutor
indiscutível: a profundidade e a espiritualidade do ser humano.
Além do grande mural de Diego Rivera, destacam-se
pinturas e uma escultura de outro mexicano, Rufino Tamayo, além de obras de
José Clemente Orozco, David Alfaro Siqueiros e outros como Roberto Montenegro e
Juan Soriano. Também há peças de estrangeiros do século XIX, como o
norte-americano Conrad Wise Chapman. Além disso, foram leiloadas obras dos
cubanos Wilfredo Lam e Tomás Sánchez, dos colombianos Fernando Botero e Ana
Mercedes Hoyos, do venezuelano Armando Reverón, do chileno Claudio Bravo, do
nicaraguense Armando Morais e do guatemalteco Carlos Mérida.
Zambrano não era casado e não teve filhos, por
isso o lucro dos leilões irá para a sua família. Entre suas principais paixões
estavam colecionar arte e apoiar o mundo da cultura, principalmente em sua
cidade natal, Monterrey, onde era membro do conselho do Museu de Arte
Contemporânea da cidade. Ao lado do amigo Gabriel García Márquez, criou o
prêmio concedido pela Fundação Novo Jornalismo Ibero-americano, do também
falecido escritor colombiano. Gabo chamava Lorenzo Zambrano de O Magnífico.
Por seu lado, a Christie's realizou na
segunda-feira a primeira das duas jornadas consecutivas de leilões de arte
latino-americana. A melhor obra era do mexicano Ramos Martínez, Mujer con
Flores, com preço estimado entre 2 e 3 milhões de dólares. Foi arrematada por 2
milhões.
A Christie's também vendeu um lote de duas enormes
estátuas de bronze do colombiano Fernando Botero, Adán y Eva, vendidas por 2,5
milhões de dólares, um recorde mundial do artista em um leilão. Um óleo de
Botero, Homenaje a Bonnard, com preço estimado entre 800.000 dólares e 1,2
milhão, não foi vendido porque não alcançou o valor mínimo previsto. O primeiro
dia do leilão de arte latino-americana da Christie's terminou com um total de
vendas de 20,18 milhões de dólares.
Fonte: El País
Nenhum comentário:
Postar um comentário