Somente uma política cultural compartilhada com a sociedade formará apreciadores e/ou consumidores das artes que estejam fora do eixo das imposições do mercado.
Por Wilson Nogueira, Jornalista
Entrou em vigor, na semana passada, a lei municipal que obriga a identificação de livros, CDs e DVDs, no comércio e nas bibliotecas públicas, de autores manauenses ou residentes em Manaus há ao menos cinco anos.
Lojas, livrarias e bibliotecas têm até o dia 25 de junho para se adaptar à legislação. A lei, de autoria do vereador Francisco da Jornada (PDT), é bem-vinda, do mesmo modo que será bem-vinda toda iniciativa favorável à circulação da produção artística local, mas de nada adiantará se o poder público não for pressionado, pela sociedade, a incentivá-la por meio de política cultural contínua.
Somente uma política cultural compartilhada com a sociedade formará apreciadores e/ou consumidores das artes que estejam fora do eixo das imposições do mercado. A ideia do vereador é que o mercado dê ao menos uma chance de visualização à produção artística local, que já nasce sufocada pelas corporações globais de bens culturais – ou da chamada indústria cultural. Se o objetivo do mercado é vender em escala global, obviamente que a sua meta é formar ao redor do mundo o maior número possível de consumidores.
No mercado, produto é produto, ele precisa gerar lucro, seja um livro ou um par de meias. É assim que, em larga medida, eles são comunicados aos consumidores por intermédio dos veículos de comunicação. Os modos da recepção são orientados pelo aparato tecnológico e ideológico que gira em torno do estrito interesse do mercado, por meio da propaganda milionária, da recomendação do formador de opinião pública profissional ou por uma dica da celebridade do momento. Sobra muito pouco ou quase nada aos que produzem fora desse círculo vicioso engendrado para despejar mercadorias nas mentes e praças mundiais.
O contraponto ao mercado global origina-se nas manifestações dos mercados locais – ou dos consumidores locais, inconformados com a padronização do gosto, da beleza e da percepção. Esse ‘consumidor consciente’, certamente, é resultado de uma formação socioeducativa crítica, que o impele para a autonomia em relação aos imperativos determinados pelo mercado. Então, a meu ver, a escola deve ser o lugar da formação da pessoa independente que, ao invés de se curvar às tendências de uma cultura hegemônica, dialogará com outras culturas.
É preciso, portanto, estimular a criação, produção e a circulação das culturas locais nas escolas por meio dos bens das diversas expressões artísticas: literatura, música, dança, teatro, pintura etc. Porém, como política pública continuada e não de forma aleatória ou circunstancial. A exposição dos livros nas bibliotecas públicas, por exemplo, terá pouca influência na formação das novas gerações se os professores não estiverem preparados para ensinar/problematizar a literatura local/regional no contexto do mercado global. Livros em bibliotecas sem bibliotecários, sem mediadores de leitura, sem serviços e sem equipamentos que facilitem o acesso à leitura são letras mortas em folhas moles e estéreis.
Escolas e bibliotecas bem equipadas e com pessoal bem formado darão melhor atenção aos livros e às demais artes. Ao formar leitores, a escola promove a circulação dos livros, estimula a criação literária, o surgimento de novos autores e a produção de livros edificantes. O lugar de circulação dos livros é a cabeça do leitor não as gôndolas das livrarias ou os intermináveis corredores de estantes das bibliotecas. Parados ou fechados os livros não são livros ou ao menos assim não deveriam ser chamados. Eles só passam a existir quando lidos, momento em que dialogam com seus leitores/interlocutores. Afinal, os livros são fontes de conhecimento que só podem ser ativadas mediante a ação daquele que tem sede de conhecer.
Governos comprometidos com o desenvolvimento humano local deveriam reservar parte dos seus orçamentos para construir novas bibliotecas, manter e equipar as que já existem e comprar acervos orientados por seus professores e bibliotecários – inclusive os dos títulos chamados regionais.
Assim poderiam colaborar com a redução dos impactos dos bens culturais padronizados pelo mercado mundial.
Fonte: D24AM
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