A Praça do Ferreira é considerada, por muitos fortalezenses, como um dos ícones da cidade, mas há outras opiniões
"Como é realmente a cidade sob esse carregado invólucro de símbolos, o que contém e o que esconde...". Fortaleza é assim, exatamente como indaga Ítalo Calvino no trecho de "As Cidades Invisíveis". Não existe um único símbolo que a represente, diferentemente de como acontece com outros locais do mundo.
Praça do Ferreira, Theatro José de Alencar, Ponte dos Ingleses, Forte de N. Senhora de Assunção, Farol do Mucuripe e Centro Dragão do Mar são elementos simbólicos de Fortaleza fotos: Kid Junior, alex costa, Rodrigo carvalho, Natasha mota e Waleska Santiago
Fortaleza tem vários elementos que lembram a sua história e são significativos para a cidade, como o Theatro José de Alencar, o Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, a Ponte dos Ingleses e outros. No entanto, isso acaba dificultando a formação de uma identidade própria. Na opinião do professor da Universidade de Fortaleza (Unifor) e membro da Academia Cearense de Letras, Batista de Lima, vivemos em um lugar sem identidade.
"Até os anos de 1940, vimos a Belle Époque (influência francesa). Depois veio a interferência inglesa. Portanto, os símbolos mudam e estão ligados a uma época", explica. O membro da ACL pontua que a falta de uma simbologia própria é prejudicial à cultura do Município. A população se confunde na hora de apontar o símbolo da Capital.
Prova disso é que o pôster, que divulga Fortaleza como uma das sedes da Copa do Mundo de 2014, traz nove elementos como representantes da cidade.
O brasão do Município, presente na bandeira, traz o Forte Nossa Senhora de Assunção que, junto com o hino, forma o conjunto de símbolos oficiais. Já a personagem Iracema, do romance homônimo do escritor cearense José de Alencar, traz elementos que remontam ao surgimento do povo do Ceará e à geografia de Fortaleza, daí ter se tornado ícone cultural da localidade, por meio de lei municipal.
A Praça do Ferreira, que abriga a Coluna da Hora, foi considerada ícone da cidade pelo concurso "Eleja Fortaleza", promovido pelo Sistema Verdes Mares, em 2001. De fato, o logradouro tem uma importância muito grande para os fortalezenses. Uma pesquisa feita pelo Diário do Nordeste revelou que metade dos entrevistados acredita ser o equipamento o mais representativo para a Capital. Para eles, a praça é o local que abriga as pessoas.
Segundo a professora da Unifor, Erotilde Honório, que dirigiu o documentário "Flertando com a Praça", historicamente, o logradouro funcionava como um centro de negociação, onde aconteciam as trocas comerciais. Também era lugar de sociabilidade. "É como se a praça fosse uma extensão do quintal de cada um, servindo de espaço de conversas, troca de ideias e veículo de mediação dos diálogos. Só a presença das pessoas confere ao local o título de coração da cidade", esclarece.
A coordenadora do Patrimônio Histórico da Secretaria de Cultura de Fortaleza (Secultfor) e arquiteta, Márcia Sampaio, afirma que Fortaleza tem multiplicidade. "É uma cidade viva, onde estão sempre surgindo novos símbolos", aponta. Para ela, é a afetividade que faz com que elementos se tornem ícones. "O símbolo vai tratar da presença da comunidade junto ao bem".
Na tentativa de criar um elemento único para Fortaleza, o Governo do Estado do Ceará tem um projeto para a construção de um Centro de Convenções de entretenimento e cultural, na Praia Mansa, que servirá de símbolo arquitetônico.
Mas, para Augusto César Paiva, membro do Instituto de Arquitetos do Brasil, Departamento Ceará (IAB-CE), depois que a elite criou a ideologia de que a cidade tem uma forte vocação para o turismo, a necessidade de criação de um símbolo tem se tornado imposta. "A criação de qualquer ícone, sem legitimação pelo processo histórico, está fortemente fadada ao fracasso. O símbolo poderá se tornar um elemento sem representatividade na memória de seu povo. A memória, essa sim, é o elemento chave para a construção de símbolos", conclui.
História com simbolismos, mas sem conhecimento
Com tantos símbolos, a memória não permeia o imaginário dos fortalezenses. Falta conhecimento histórico. A população, às vezes, até tem contato com elementos do patrimônio municipal, mas não sabe o que eles representam para a cidade.
Fortaleza já tem os seus símbolos, como afirma o membro do Instituto de Arquitetos do Brasil, Departamento Ceará (IAB-CE), Augusto César Paiva, alguns já descobertos e outros a serem descobertos. "Dentre os desvendados, podemos citar: o Theatro José de Alencar, a Praça do Ferreira, a Praia de Iracema, o Estádio Presidente Vargas, o Bairro do Benfica", contabiliza.
Já a arquitetura do Centro da Cidade, escondida por trás das placas, dos postes e das fiações, poderá tornar-se símbolo de Fortaleza, por exemplo. Augusto César Paiva comenta que não somente a arquitetura pode tornar-se símbolo de uma cidade; a música, a escultura e a natureza também podem. Os símbolos não necessariamente são arquitetônicos, porém, devem ser históricos.
Divulgação
A Coordenação do Patrimônio Histórico da Secretaria de Cultura de Fortaleza (Secultfor) revela que trabalha com a divulgação dos equipamentos e com o tombamento como forma de preservá-los. "Lançamos uma cartilha voltada para a educação patrimonial e um guia cultura de bolso, informando todos os equipamentos e programações culturais que a cidade dispõe", lista a coordenadora Márcia Sampaio.
Além disso, junto com a Secretaria Municipal de Educação, a Secultfor realiza feiras de livros didáticos com a história de Fortaleza e com explicações sobre o tombamento, com intuito de divulgar a importância da ação para o bens culturais.
Márcia considera a atual gestão como a que mais investiu na cultura e na história. "Fizemos várias adequações na lei, criamos o Conselho de Patrimônio Histórico, que define os bens a serem tombados, e já tornamos 44 equipamentos protegidos". No total, são 53 bens tombados, sendo 19 por meio de decreto, além de dois reconhecidos enquanto Patrimônio Imaterial.
OPINIÃO DO ESPECIALISTA
Cidade: fruto da multiplicidade de vozes e culturasErick Assis - Historiador e professor da Uece
Uma cidade é fruto de uma multiplicidade de vozes. Ela é polifônica por excelência. A literatura moderna sobre a urbanização já reconhece isso há muito tempo. E por que isso ocorre? Bem, tem política no meio desse fenômeno. As cidades ganham identificação histórica com um ícone a partir de uma disputa de valores estéticos, culturais, religiosos, econômicos, políticos. Enfim, no fim, quem tiver mais força política de barganhar junto ao poder público e/ou privado ganha o predomínio de uma imagem a ser homenageada. Eu quero dizer com isso que nada é a toa em relação à criação de símbolos que representem a "cara" de uma cidade.
Nós ouvimos falar de que Fortaleza não tem um ícone específico. Na minha opinião, o mar tem uma vocação natural para ser um símbolo dessa cidade. A coluna da Hora, nos anos 1930, tinha importância, ficou até bem pouco tempo sendo uma referência. O que faz um monumento ser ícone são várias injunções conjugadas. Os interesses de grupos, indivíduos, do Estado e da iniciativa privada, tudo isso depende da relação de forças que se estabelece para fazer realçar determinado tipo de legado da memória.
O que garante a predominância de um ícone se reflete, em boa medida, na formação histórica de um povo. Não tenho a menor dúvida de que a maioria dos fortalezenses tem debilidade em sua formação histórica. Aqui não se tem uma cultura histórica consolidada, fazemos um turismo piegas. Nossas escolas, na sua maioria, estudam História do Ceará e de Fortaleza como algo secundário.
ENQUETE
O que pode representar a Capital?
Escolheria o Theatro José de Alencar como ícone de Fortaleza por sua história e por receber o nome do escritor cearense. Acho que a Cidade deveria ter somente um símbolo que a representasse.
Ana Lídia CostaEstudante
Acredito que o Dragão do Mar seja o equipamento mais representativo de Fortaleza. Trata-se do point cultural da Cidade, onde estão reunidos vários elementos de arte, cultura e lazer. Também tem significação arquitetônica.
Andreza pereiraEstudante
Para mim, a jangada é o que melhor representa Fortaleza. É uma coisa antiga que lembra os pescadores e o Mucuripe, bairro de tradição da cidade. Acho que Fortaleza deveria ter apenas um símbolo.
Pedro simãoPorteiro
LINA MOSCOSOREPÓRTER
Praça do Ferreira, Theatro José de Alencar, Ponte dos Ingleses, Forte de N. Senhora de Assunção, Farol do Mucuripe e Centro Dragão do Mar são elementos simbólicos de Fortaleza fotos: Kid Junior, alex costa, Rodrigo carvalho, Natasha mota e Waleska Santiago
Fortaleza tem vários elementos que lembram a sua história e são significativos para a cidade, como o Theatro José de Alencar, o Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, a Ponte dos Ingleses e outros. No entanto, isso acaba dificultando a formação de uma identidade própria. Na opinião do professor da Universidade de Fortaleza (Unifor) e membro da Academia Cearense de Letras, Batista de Lima, vivemos em um lugar sem identidade.
"Até os anos de 1940, vimos a Belle Époque (influência francesa). Depois veio a interferência inglesa. Portanto, os símbolos mudam e estão ligados a uma época", explica. O membro da ACL pontua que a falta de uma simbologia própria é prejudicial à cultura do Município. A população se confunde na hora de apontar o símbolo da Capital.
Prova disso é que o pôster, que divulga Fortaleza como uma das sedes da Copa do Mundo de 2014, traz nove elementos como representantes da cidade.
O brasão do Município, presente na bandeira, traz o Forte Nossa Senhora de Assunção que, junto com o hino, forma o conjunto de símbolos oficiais. Já a personagem Iracema, do romance homônimo do escritor cearense José de Alencar, traz elementos que remontam ao surgimento do povo do Ceará e à geografia de Fortaleza, daí ter se tornado ícone cultural da localidade, por meio de lei municipal.
Segundo a professora da Unifor, Erotilde Honório, que dirigiu o documentário "Flertando com a Praça", historicamente, o logradouro funcionava como um centro de negociação, onde aconteciam as trocas comerciais. Também era lugar de sociabilidade. "É como se a praça fosse uma extensão do quintal de cada um, servindo de espaço de conversas, troca de ideias e veículo de mediação dos diálogos. Só a presença das pessoas confere ao local o título de coração da cidade", esclarece.
A coordenadora do Patrimônio Histórico da Secretaria de Cultura de Fortaleza (Secultfor) e arquiteta, Márcia Sampaio, afirma que Fortaleza tem multiplicidade. "É uma cidade viva, onde estão sempre surgindo novos símbolos", aponta. Para ela, é a afetividade que faz com que elementos se tornem ícones. "O símbolo vai tratar da presença da comunidade junto ao bem".
Na tentativa de criar um elemento único para Fortaleza, o Governo do Estado do Ceará tem um projeto para a construção de um Centro de Convenções de entretenimento e cultural, na Praia Mansa, que servirá de símbolo arquitetônico.
Mas, para Augusto César Paiva, membro do Instituto de Arquitetos do Brasil, Departamento Ceará (IAB-CE), depois que a elite criou a ideologia de que a cidade tem uma forte vocação para o turismo, a necessidade de criação de um símbolo tem se tornado imposta. "A criação de qualquer ícone, sem legitimação pelo processo histórico, está fortemente fadada ao fracasso. O símbolo poderá se tornar um elemento sem representatividade na memória de seu povo. A memória, essa sim, é o elemento chave para a construção de símbolos", conclui.
História com simbolismos, mas sem conhecimento
Fortaleza já tem os seus símbolos, como afirma o membro do Instituto de Arquitetos do Brasil, Departamento Ceará (IAB-CE), Augusto César Paiva, alguns já descobertos e outros a serem descobertos. "Dentre os desvendados, podemos citar: o Theatro José de Alencar, a Praça do Ferreira, a Praia de Iracema, o Estádio Presidente Vargas, o Bairro do Benfica", contabiliza.
Já a arquitetura do Centro da Cidade, escondida por trás das placas, dos postes e das fiações, poderá tornar-se símbolo de Fortaleza, por exemplo. Augusto César Paiva comenta que não somente a arquitetura pode tornar-se símbolo de uma cidade; a música, a escultura e a natureza também podem. Os símbolos não necessariamente são arquitetônicos, porém, devem ser históricos.
Divulgação
A Coordenação do Patrimônio Histórico da Secretaria de Cultura de Fortaleza (Secultfor) revela que trabalha com a divulgação dos equipamentos e com o tombamento como forma de preservá-los. "Lançamos uma cartilha voltada para a educação patrimonial e um guia cultura de bolso, informando todos os equipamentos e programações culturais que a cidade dispõe", lista a coordenadora Márcia Sampaio.
Além disso, junto com a Secretaria Municipal de Educação, a Secultfor realiza feiras de livros didáticos com a história de Fortaleza e com explicações sobre o tombamento, com intuito de divulgar a importância da ação para o bens culturais.
Márcia considera a atual gestão como a que mais investiu na cultura e na história. "Fizemos várias adequações na lei, criamos o Conselho de Patrimônio Histórico, que define os bens a serem tombados, e já tornamos 44 equipamentos protegidos". No total, são 53 bens tombados, sendo 19 por meio de decreto, além de dois reconhecidos enquanto Patrimônio Imaterial.
OPINIÃO DO ESPECIALISTA
Cidade: fruto da multiplicidade de vozes e culturasErick Assis - Historiador e professor da Uece
Uma cidade é fruto de uma multiplicidade de vozes. Ela é polifônica por excelência. A literatura moderna sobre a urbanização já reconhece isso há muito tempo. E por que isso ocorre? Bem, tem política no meio desse fenômeno. As cidades ganham identificação histórica com um ícone a partir de uma disputa de valores estéticos, culturais, religiosos, econômicos, políticos. Enfim, no fim, quem tiver mais força política de barganhar junto ao poder público e/ou privado ganha o predomínio de uma imagem a ser homenageada. Eu quero dizer com isso que nada é a toa em relação à criação de símbolos que representem a "cara" de uma cidade.
Nós ouvimos falar de que Fortaleza não tem um ícone específico. Na minha opinião, o mar tem uma vocação natural para ser um símbolo dessa cidade. A coluna da Hora, nos anos 1930, tinha importância, ficou até bem pouco tempo sendo uma referência. O que faz um monumento ser ícone são várias injunções conjugadas. Os interesses de grupos, indivíduos, do Estado e da iniciativa privada, tudo isso depende da relação de forças que se estabelece para fazer realçar determinado tipo de legado da memória.
O que garante a predominância de um ícone se reflete, em boa medida, na formação histórica de um povo. Não tenho a menor dúvida de que a maioria dos fortalezenses tem debilidade em sua formação histórica. Aqui não se tem uma cultura histórica consolidada, fazemos um turismo piegas. Nossas escolas, na sua maioria, estudam História do Ceará e de Fortaleza como algo secundário.
ENQUETE
O que pode representar a Capital?
Escolheria o Theatro José de Alencar como ícone de Fortaleza por sua história e por receber o nome do escritor cearense. Acho que a Cidade deveria ter somente um símbolo que a representasse.
Ana Lídia CostaEstudante
Acredito que o Dragão do Mar seja o equipamento mais representativo de Fortaleza. Trata-se do point cultural da Cidade, onde estão reunidos vários elementos de arte, cultura e lazer. Também tem significação arquitetônica.
Andreza pereiraEstudante
Para mim, a jangada é o que melhor representa Fortaleza. É uma coisa antiga que lembra os pescadores e o Mucuripe, bairro de tradição da cidade. Acho que Fortaleza deveria ter apenas um símbolo.
Pedro simãoPorteiro
LINA MOSCOSOREPÓRTER
Fonte:http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=1215154
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