quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Chris Killip, o fotógrafo da depredação do capitalismo

A obra de Chris Killip é um compêndio singular do desespero que o capitalismo provocou na classe operária britânica, tão reprimida como pauperizada no que se designou por processo da desindustrizalização das zonas rurais do Reino Unido. Por Armando G. Tejeda, jornalista.

“O desmantelamento do mundo industrial europeu, durante a segunda metade do século XX, deixou estas pequenas sociedades à mercê de grandes mudanças estruturais. Este período de desindustrialização, o desemprego crescente e a condição precária de grande parte da classe operária, revelada com crueza na década dos 80, são os eixos do meu trabalho” refere Chris Killip

“Às vezes não se sabe porque se está nesses lugares, nem o porquê de tal fotografia, mas em qualquer caso faz-se e, finalmente, acaba por ter um sentido”, explicou o fotógrafo britânico Chris Killip na apresentação da sua primeira grande retrospetiva, em Espanha, “Trabajo/Work”, no Museu Centro de Arte Rainha Sofia em Madrid.
A sua obra é um compêndio singular do desespero que o capitalismo provocou na classe operária britânica, tão reprimida como pauperizada no que se designou por processo da desindustrizalização das zonas rurais do Reino Unido, às quais se lhes extirpou a indústria sem nada em troca, passando das fábricas têxteis ou dos estaleiros para a desolação e o desespero. Chris Killip captou esse processo, pelo menos, desde 1968 até 2004.
É a vida quotidiana de populações na fronteira da pobreza e a opulência de uma potência económica e militar como o Reino Unido. É o dia a dia de populações que lutaram pelos seus direitos nas ruas, com manifestações para manter os seus direitos laborais, que foram sistematicamente reprimidas pela polícia ou que foram testemunhas impotentes de como a inatividade e o passar do tempo foram acabando, pouco a pouco, com edifícios, casas e o pulsar quotidiano das praças.
Killip, homem que nasceu e cresceu num típico pub inglês, desde criança escutou os lamentos ou as risadas que se escutam nestes centros de reunião do povo britânico, decidiu deixar o glamour e a frivolidade da fotografia publicitária – na qual se iniciou – e cavalgar numa espécie de fotojornalismo de fundo. Chegava às povoações ou regiões com as suas câmaras e os seus rolos de fotografia para conviver e ser testemunha, tal como os seus vizinhos, do passar do tempo nessas povoações acossadas pelo desmantelamento da indústria mineira ou naval.
Por isso, no seu trabalho, há sobretudo retratos e imagens de lugares, ruas, paisagens que já não existem. O passar do tempo e a depredação do capitalismo ultraliberal, que se aplicou neste país, durante as décadas 70 e 80, acabou por transformar para sempre essa sociedade. Agora muitas dessas paisagens industriais, tais como os velhos estaleiros encravados num cais, são ferros abandonados. Ou as colinas dalgumas povoações mineiras estão convertidas em campos de golfe.
“Às vezes não se sabe porque se está nesses lugares, mas acaba por surgir o motivo”, explicou quanto às suas fotografias, das quais expõe uma seleção cuidada de 107 imagens a preto e branco e dois documentários. Nas quais predomina o retrato, um fio que atravessa e unifica toda a sua obra e que serve para mostrar idosos, famílias, crianças e operários a trabalhar.
Killip foi escolhido, em 1972, pela British Arts Council, juntamente com outros sete fotógrafos, para retratar as cidades de Huddersfiel e Newcastle, iniciando aí a sua vocação para mostrar a Inglaterra industrial com imagens de pequenas povoações pesqueiras e a convivência natural entre as casas e os estaleiros. Ou as manifestações e as greves dos mineiros do carvão, face ao encerramento de 20 minas e a perda de 20 mil empregos. Ou os trabalhadores da fábrica de pneumáticos “Pirelli” de Burto-on-Trent.
Killip explicou que, desde princípios do século XIX, no norte de Inglaterra, se desenvolveu grande parte da industria pesada – as minas de carvão, o aço e os estaleiros – proporcionando emprego a várias gerações e criando comunidades muito coesas. “O desmantelamento do mundo industrial europeu, durante a segunda metade do século XX, deixou estas pequenas sociedades à mercê de grandes mudanças estruturais. Este período de desindustrialização, o desemprego crescente e a condição precária de grande parte da classe operária, revelada com crueza na década dos 80, são os eixos do meu trabalho”.
A exposição poderá ser vista até ao próximo dia 24 de fevereiro.
Artigo de Armando G. Tejeda, jornalista, publicado no jornal mexicano La Jornada. Tradução de António José André para esquerda.net

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