Mostra sobre o exílio em Frankfurt e cidades brasileiras homenageia refugiados que marcaram a cultura e a ciência no Brasil entre 1933 e 1945, um dos períodos mais importantes da história do Brasil.
Diversos prédios no mais puro estilo Bauhaus em vários bairros da zona sul do Rio de Janeiro têm a assinatura do arquiteto berlinense Alexandre Altberg, nascido em 1908. Ele chegou ao Brasil em 1931 e faleceu em Marília, interior de São Paulo, em 2009, aos 101 anos. Na literatura, gerações inteiras de brasileiros tiveram acesso às obras de Thomas Mann, Hermann Hesse e Elias Canetti graças a outro berlinense, o advogado Herbert Caro. Ele desembarcou em Porto Alegre em 1935, onde atuou como tradutor e editor até morrer, em 1991.
Altberg e Caro emigraram para o Brasil, assim como milhares de outros perseguidos pelo nazismo que, entre 1933 e 1945, buscavam uma nova pátria. Depois da Argentina, o Brasil foi o país que mais refugiados do nazismo acolheu na América Latina – entre 16 e 19 mil, estima-se, sendo a maioria de origem alemã. Ironia da História: execrados pelo regime no país natal, foram responsáveis pela mais forte e ampla contribuição cultural, deixando suas marcas para várias gerações de brasileiros nas mais diversas áreas do conhecimento, do saber e da técnica.
A lista é interminável. Wilhelm Wöller, artista plástico, Richard Katz, escritor, Willi Keller, teatrólogo, Anatol Rosenfeld, crítico literário, Hans Günther Flieg, fotógrafo... E todos deixaram marcas profundas. O regente e compositor Hans-Joachim Koellreutter, por exemplo, veio ao Brasil em 1937 trazendo o dodecafonismo e revolucionou o cenário musical. Entre seus discípulos estavam Cláudio Santoro, Guerra Peixe e Edino Krieger, Caetano Velloso e Tom Jobim.
Contribuição para as ciências
Essa grande influência não se deu apenas no campo das artes. Nas ciências, houve inúmeras contribuições. Muitos cérebros migraram para a recém-fundada USP. Foi o caso do zoólogo Ernst Marcus, que chegou em 1936. Responsável por criar um centro moderno para estudos zoológicos na USP, atuou ali até sua morte, em 1968. Ou do químico Fritz Feigl.
Nascido em Viena em 1891, lutou na Primeira Guerra Mundial, doutorou-se em 1920, dando início a uma brilhante carreira, interrompida pela anexação da Áustria. Com a ajuda do embaixador do Brasil na França, Luiz Martins de Souza Dantas, Feigl escapou da Europa com a família e chegou ao Rio em 1940. Ele trabalhou no Departamento Nacional de Produção Mineral, onde inventou um processo para extrair cafeína a partir de concentrado de café, produto raro e valioso para a produção de Coca-Cola em tempos de guerra.
Criador do método conhecido por "análise de toque", Feigl foi um dos maiores químicos analíticos do século 20. Recebeu a cidadania brasileira ainda em 1944 pela dedicação à pesquisa. No Brasil, escreveu 276 obras. Nunca mais quis deixar o país que o acolheu. Hoje, um importante prêmio brasileiro para químicos tem o seu nome.
No campo dos negócios, destaca-se a trajetória do jovem nascido em Essen em 1922 e que deixou a Alemanha numa das últimas levas de refugiados do nazismo. Chegou ao Brasil aos 17 anos, em 1939 e encontrou emprego como datilógrafo em uma empresa de lapidação. Fascinado pelas pedras brasileiras, o jovem Hans Stern descobriu assim a sua vocação para os negócios.
De caixeiro-viajante, percorrendo o interior, tornou-se empresário e fundou a primeira loja em 1945. Ajudou a popularizar ametistas, esmeraldas e topázios mundo afora. Hoje, existem 160 lojas H. Stern espalhadas por vários países. Detalhe: Stern, falecido no Rio em 2007, sempre se recusou a chamar as pedras brasileiras de "semipreciosas".
Mostra sobre o exílio
"Em uma sociedade até então marcada pelas culturas portuguesa e francesa, esses refugiados tornaram-se mediadores da cultura da Europa central, em especial da Alemanha", diz a historiadora Marlen Eckl, especialista no tema do exílio."Acabaram por dar novos impulsos a diferentes gêneros e estilos de arte e que continuam a exercer influência sobre a vida cultural brasileira até hoje".
Eckl é uma das curadoras da exposição Exílio no Brasil que será inaugurada em outubro na Biblioteca Nacional Alemã (Deutsche Nationalbibliothek) de Frankfurt como parte dos festejos em torno do Brasil, país-tema da Feira de Livros. A mostra será duplicada e virá para o Brasil: a partir de 29 de outubro, para a Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro. Depois fará um giro por várias outras cidades do país. O visitante poderá ver centenas de documentos, originais ou cópias, sobre os exilados, sua obra e sua influência.
A exposição destacará o corajoso envolvimento de diplomatas como o já mencionado embaixador Luiz Martins de Souza Dantas, de Paris, ou o cônsul brasileiro em Marselha, Murillo Martins de Souza. Aracy de Carvalho Guimarães Rosa, que trabalhava no consulado de Hamburgo, também faz parte do grupo que conseguiu salvar a vida de centenas de judeus e perseguidos políticos – como foi o caso das 48 pessoas do chamado "grupo Görgen" e que conseguiram escapar graças à ajuda do cônsul-geral de Genebra, Milton Cesar Weguelin de Vieira.
Os refugiados tiveram importantíssimo papel na vida acadêmica brasileira, nas ciências e na pesquisa. Muitos professores que ajudaram a criar a USP tiveram de deixar sua pátria natal, como é o caso do geneticista Felix Rawitscher, o zoólogo Ernst Marcus, o botânico Friedrich Brieger.
Amplitude e intensidade da influência
"O que impressiona nesse período é a amplitude da atuação e a intensidade da influência da atuação desses imigrantes sobre várias gerações de brasileiros", concorda o historiador Fabio Koifman, que dirige o projeto Memorial do Exílio, da Casa Stefan Zweig em Petrópolis, outra iniciativa que pretende resgatar as trajetórias dos exilados através de entrevistas e pesquisas em arquivos. O escritor austríaco Stefan Zweig (foto principal) emigrou para o Brasil em 1940.
"Em torno de alguns intelectuais – especialmente Otto Maria Carpeaux, que era austríaco – agrupou-se a fina flor da intelectualidade brasileira, animada e impressionada pela larga cultura e pela profundidade das interpretações desses 'novos brasileiros'", diz Koifman. "Gente vinda de grandes centros da ciência e da cultura foi recebida com entusiasmo pelo meio intelectual e artístico. Já a ditadura brasileira, em especial o ministro da Justiça Francisco Campos e os ministros militares, como Eurico Dutra, bem como o próprio Getúlio Vargas, viram na chegada desses portadores de ideias arejadas e não vinculadas ao ideário autoritário um perigo para o regime, declarando-se, não raro, incomodados pela calorosa recepção."
Apesar da forte presença de alemães ao longo de mais de cinco séculos de história do Brasil, a começar por Hans Staden e passando pelas sucessivas levas de naturalistas e viajantes, é provável que não tenha havido outro momento na história cultural do país tão intenso quanto o período de 1933 a 1945, com a chegada dos fugitivos do nazismo.
DW.DE
- Data 08.05.2013
- Autoria Kristina Michahellis
- Edição Roselaine Wandscheer
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- Fonte: Notícias DW
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