Abel e Caim encontraram-se depois da morte de Abel. Caminhavam pelo
deserto e reconheceram-se de longe, porque os dois eram muito altos. Os
irmãos sentaram-se na terra, acenderam um fogo e comeram. Guardavam
silêncio, à maneira das pessoas cansadas quando declina o dia. No céu
assomava uma estrela que ainda não tinha recebido seu nome. À luz das
chamas, Caim percebeu na testa de Abel a marca da pedra e deixou cair o pão
que estava prestes a levar à boca e pediu que lhe fosse perdoado seu crime.
– Tu me mataste ou eu te matei? – Abel respondeu. – Já não me lembro;
aqui estamos juntos como antes.
– Agora sei que me perdoaste de verdade – disse Caim –, porque esquecer
é perdoar. Procurarei também esquecer.
– É assim mesmo – Abel falou devagar. – Enquanto dura o remorso, dura
a culpa.
BORGES, Jorge Luis. Obras Completas, vol II. Porto Alegre: Ed. Globo, 1999.
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