segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Memória, Morte e Imortalidade


Lembrar é uma necessidade. Queremos ser lembrados, e a lembrança é, em si mesma, uma espécie de imortalidade. Nessa ânsia de não sermos esquecidos, importa referir a presença da memória e da identidade, uma ligada à outra, mas nem por isso tornadas fixas como conceitos. Nossas lembranças estão sempre em construção e em relação complexa com o meio, com os outros e conosco mesmo, na mais profunda subjetividade de cada um de nós. Somos um eu intuitivo que interage com os outros, construindo referências que devem ser fixadas, sem que se prescinda da escolha do que deve ser lembrado e do que deve ser esquecido, num trabalho seletivo e discricionário constante.
Nossa memória, da mesma forma que nossa identidade, ainda que dinâmica ― posto que em permanente construção ― insere-se em um contexto de vida real, de trocas sociais, onde há lugar para acontecimentos que a sociedade ritualiza. O nascimento, os aniversários, os casamentos, as passagens e as transformações que a vida impõe reclamam ser moldadas como recordações e, para tanto, muito se constrói, tanto individual quanto coletivamente, ao compartilhar esses diversos estágios da existência.
A vida, contudo, termina, e a morte é, em todas as culturas, algo marcante que integra a própria existência que tem fim, num ciclo que já inspirou a criação das mais variadas formas de expressão. Objeto de simbolização e associação com animais e plantas, como o galo e o cipreste, a morte origina ritos. Ao perder-se o que é amado, alucinamos o objeto deste amor, representando-o (re-presentar, apresentar outra vez) perante nossa consciêcia. Por causa dela, morte, lugares de memória são criados, lugares que surgem de um sentimento que reclama organização, desafiando a invenção de modos de registros, de arquivos, de símbolos com os quais interagimos constantemente.
Cemitérios são lugares de memória, tanto de mortos quanto de vivos que ali prestam homenagem aos que se ausentaram definitivamente de suas vidas. São espaços, todavia, que muito nos contam das cidades onde são construídos, dando testemunho de hábitos, de costumes, de fé, de um passado habitado pelos mortos. Cada um é único à sua maneira, sem que, todavia, possamos deixar de neles encontrar determinados símbolos que se repetem com insistência, tais como a figura dos anjos da solidão, da cruz das almas, da palavra saudade, reiteradamente escrita nos sepulcros, dos ciprestes, etc. Existe toda uma arte funerária voltada para essa peculiar simbologia, onde a morte é ritualizada, e a dor é retratada como desolação, não sem que se dê margem à presença da esperança e da fé, o consolo religioso de uma outra vida e da redenção. 
E, por mais que isso represente saudade, inegavelmente existe uma beleza que se cria a partir dessa ausência doída que, quanto mais aguda, mais parece ser inspiradora.
Maristela Bleggi Tomasini 

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