Rio -  Na Ladeira do Livramento, no morro do mesmo nome, número 77, a história se transforma em ruínas. A casa onde o escritor Machado de Assis nasceu e morou até os 6 anos virou um cortiço, que se deteriora com o tempo e a falta de investimento público. Seis famílias se espremem no imóvel, que, apesar do valor cultural, não é reconhecido pela Prefeitura do Rio como o local onde um dos maiores literatos do país passou parte da sua infância.
“O livro ‘Memorial de Aires’ é uma espécie de autobiografia em que Machado de Assis faz claramente referências ao local onde nasceu. O que acontece neste imóvel é um magnífico exemplo de descaso com os bens culturais da cidade”, criticou nesta segunda-feira o professor de História Milton Teixeira.
Fachada da casa de número 77 da Ladeira do Livramento, no morro do mesmo nome. Nas paredes, o retrato do descaso e do abandono do imóvel | Foto: Paulo Alvadia / Agência O Dia
Fachada da casa de número 77 da Ladeira do Livramento, no morro do mesmo nome. Nas paredes, o retrato do descaso e do abandono do imóvel | Foto: Paulo Alvadia / Agência O Dia
A casa fica no terreno da antiga chácara do senador Bento Barroso Pereira. Muito pobres, os pais de Machado de Assis foram morar de favor num quarto de serviço da propriedade. Quando o escritor nasceu, em 1939, o político já havia morrido.
Sua viúva, Maria José de Mendonça Barroso Pereira, foi então escolhida para ser madrinha do homem que viria ser um dos fundadores — e o primeiro presidente — da Academia Brasileira de Letras (ABL). A entidade foi procurada mas não se pronunciou sobre a situação degradante do imóvel.
Somente após o contato do DIA, a ABL, segundo Milton Teixeira, ligou para convidá-lo para uma reunião sobre o assunto. “É impossível esse desconhecimento da Academia e dos órgãos públicos sobre a residência de Machado de Assis. No centenário do nascimento dele, a Biblioteca Nacional reproduziu documentos que remetiam à casa no Morro do Livramento. A questão é que essas pessoas (da ABL) não sobem morro”, alfinetou o professor.
Neusa Rodrigues de Paula, 63 anos, é a moradora mais antiga da casa | Foto: Paulo Alvadia / Agência O Dia
Neusa Rodrigues de Paula, 63 anos, é a moradora mais antiga da casa | Foto: Paulo Alvadia / Agência O Dia
‘Durmo no quarto dele’
Moradora da casa de Machado de Assis desde 1970, a catadora de latinhas Neuza Rodrigues de Paula criou três filhos no imóvel que, de tão mal conservado, é insalubre. Entre histórias e lembranças, ela nutre o mito de que dorme no quarto onde o escritor ficava na infância. “Era aqui que ele passava a maior parte do tempo. Eu li dois livros dele que encontrei quando invadi, mas não me pergunta o nome, porque eu não sei ”, diz Neuza, no espaço onde amontoa panelas, roupas e objetos de casa.
Com um quartinho no cortiço há dez anos, o doceiro Paulo de Souza sabe que reside num local histórico. “Sei quem ele é, mas nunca me interessei por sua obra”.