segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Escritores Falta de "interesse" político mantém "mito" da cultura lusófona

A cultura lusófona tem sido movida mais por autores e editoras do que por "interesse" de governos, mas para deixar de ser "um mito" precisaria de "políticas" e "investimento", destacam dois escritores ouvidos pela Lusa.


"Quando falamos de lusofonia, falamos dos territórios que falam a língua portuguesa" e isso "tem uma envolvência política", assinala o escritor timorense Luís Cardoso, que acaba de lançar "O ano em que Pigafetta contemplou a circum-navegação", em declarações à Lusa à margem da iniciativa Correntes d'Escritas, que hoje termina.
Reconhecendo que "hoje em dia já há mais" um sentimento de partilha em torno de um património comum, Luís Cardoso lamenta que, por mais "esforços" que a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) faça, os países lusófonos ainda estejam "muito fechados relativamente ao que se passa nos outros territórios" com a mesma língua.
Ainda há autores portugueses que insistem na "enormidade" de se recusarem a ler autores brasileiros por acharem que estes "não escrevem em português", exemplifica Manuel Jorge Marmelo, autor de "Somos todos um bocado ciganos".
O escritor assume um "sentimento" lusófono na sua escrita, que originou "Os olhos do homem que chorava no rio", uma parceria com a autora angolana Ana Paula Tavares, após uma "semente" lançada pelo escritor brasileiro Paulinho Assunção.
"Sempre tentei aprender alguma coisa com as pessoas de outros países que escrevem em português", relata Manuel Jorge Marmelo, referindo que tenta "até transpor algumas coisas", por exemplo "ritmos", para a sua escrita.
Porém, admite, fazer deste "sentimento" individual de pertença comum um objectivo geral "exigiria um investimento" que Portugal não tem "condições de fazer".
E o Brasil tem "uma cultura de tal modo forte" que "não precisa desse rótulo" da lusofonia, realça o autor, que escreve há 20 anos, mas ainda não conseguiu realizar o seu "sonho" de sempre: ser editado no Brasil.
Algumas editoras portuguesas estão a apostar no Brasil, por exemplo a Leya e a Tinta da China, mas esse mercado "tem especificidades muito próprias", diz Paulo Gonçalves, da Porto Editora.
Tal não quer dizer que seja impossível entrar, sublinha, recordando como o maior grupo editorial português adaptou o seu dicionário de língua portuguesa ao Brasil, onde hoje tem "mais de um milhão de utilizadores" na versão mobile.
Apostar no "património incomensurável" da língua portuguesa é sustentável, assinala, como aconteceu nos países africanos de língua portuguesa, onde a Porto Editora é "há anos" responsável pela edição de livros escolares.
As duas editoras parceiras que criou em Angola e Moçambique têm já "equipas próprias, autores próprios, profissionais próprios", mas não se traduzem em "lucros" imediatos, mas em "ganhos de longo prazo".
"A circulação de bens, especialmente bens culturais, quase que não funciona", a não ser "através de particulares", sejam eles os próprios autores ou as editoras, destaca Luís Cardoso.
Para criar um projecto colectivo, faltam "políticas, políticas, políticas", repete. Vai a casa para dar o exemplo da ausência de "interesse" político.
"Da parte do governo de Timor-Leste não existe esse interesse, porque eu até nem sou lido em Timor, porque os meus livros o governo nem os compra para Timor", lamenta.
A escrita "está a fervilhar" em Timor, mas os novos autores "precisam de referências", sublinha o autor, nascido em Kailako, uma vila no interior de Timor. "Eu posso ser uma referência timorense para escritores timorenses. Porque não? Por que o governo não me utiliza, ignora, não me compra os livros, para distribuir, para as bibliotecas, (...) para dar às pessoas?", questiona.
Enquanto tal não existir, a cultura lusófona não passará de "um mito", que "falta concretizar"

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