Arte performática para uma pessoa
The New York Times Um coletivo multidisciplinar chamado Odyssey Works está invertendo o acordo de longa data existente entre a arte e o seu público.
The New York Times Um coletivo multidisciplinar chamado Odyssey Works está invertendo o acordo de longa data existente entre a arte e o seu público.
Ao invés de um só artista criando para um grande público, o coletivo direciona muitos artistas para apenas uma pessoa. As criações que convergem nas performances do grupo duram uma semana e incluem instalações sonoras, filmes e artes cênicas. Elas existem unicamente para seu sujeito escolhido. Depois de apresentadas, tudo desaparece.
"O objetivo é encontrar o efeito mais profundo possível da arte e a gama completa de experiência emocional", explicou Abraham Burickson, diretor do Odyssey Works. "Conhecemos nosso público muito bem, não precisamos recorrer a palpites para descobrir como fazer acontecer."
Burickson e Matthew Purdon, o outro fundador, tiveram a ideia mais de uma década atrás: os limites da arte estão não no produto, mas no espectador --especificamente, no número de espectadores. Com um público de uma só pessoa, os artistas direcionam seu trabalho para uma paisagem emocional e intelectual específica.
Nos projetos anteriores do coletivo, um membro do público foi enterrado na areia, outro foi deixado num campo de borboletas durante uma noite. Em Nova York, um sujeito acordou e assistiu a um talk show criado apenas para ele, ouvido num rádio colocado em seu quarto sem que ele percebesse.
Laura Espino, 26, coordenadora de trabalhos voluntários nascida na Argentina, ouviu falar do grupo através de um amigo. Depois de preencher uma ficha extremamente detalhada, solicitando ser o próximo público, ela foi escolhida entre cem candidatos. Pediram que ela deixasse um fim de semana livre e que não fizesse mais nada. A Odyssey Works já tinha começado a pesquisá-la.
Ao longo de algum tempo, seis membros do coletivo se fizeram passar por figuras diversas, para poder conhecê-la e plantar sementes para os temas artísticos que queriam explorar.
Na véspera da performance, os membros do grupo se sentaram em torno de uma mesa de cozinha, cada um munido de um pacote de 26 páginas de diagramas, horários, mapas e instruções detalhadas para o fim de semana. Espino iria, aparentemente por acaso, descobrir-se no meio de uma série de cenas sutis, mas que provocariam crescente desorientação.
O material artístico era tão personalizado quanto vasto. Tendo identificado o interesse de Espino pela literatura argentina, Burickson e vários outros membros compuseram um romance inteiro, que teria sido escrito pelo autor Alberto Gerchunoff muitas décadas antes e esquecido pela história.
Eles levaram o papel a um laboratório em Nova York para ser envelhecido e depois arquitetaram uma maneira de o livro chegar às mãos de Espino. Em nome do realismo, foram escritas resenhas do livro, e verbetes na Wikipedia foram modificados. Outra artista fez-se passar pela neta de Gerchunoff.
O romance seria deletado. Um comparsa abriu a bolsa de Espino sem ela perceber e substituiu o livro dela por uma cópia na qual, misteriosamente, faltavam algumas páginas. Mais tarde, essa cópia foi trocada por uma versão ainda mais cortada, como se a história tivesse simplesmente se decomposto --um eco temático das próprias histórias autoprotetoras de Espino se desmontando.
Espino foi "abduzida" no sábado. Naquela noite, ela tomou banho sob uma instalação complexa de alto-falantes da qual saíam sons destilados dos fios narrativos do fim de semana. Depois ela foi vendada e levada de carro, num trajeto de 90 minutos, até um local isolado nas colinas de Sebastopol. Uma barraca e um jantar a aguardavam ali. No dia seguinte, ela foi trazida de volta para a cena final, num espaço em San Francisco lembrando um "speakeasy" --um bar da época da lei seca nos EUA que vendia bebida ilegal.
À mesa, sua mãe a aguardava. A insegurança já aparente de Espino dobrou. As duas conversaram, e aos poucos a conversa delas mergulhou numa cacofonia de sons estranhos. Todos os 40 supostos fregueses do estabelecimento eram figurantes preparados para gerar certos sons tematicamente apropriados nos momentos certos. O som foi subindo de volume num crescendo discordante, e Burickson acabou encerrando o evento com uma despedida emotiva.
Laura Espino saiu visivelmente abalada. Ela disse que na semana seguinte quase não falou com ninguém --tinha coisas demais a processar. No sábado seguinte, ela reencontrou os integrantes do Odyssey Works para falar da experiência. Ainda parecia abalada pelo modo profundo como o grupo tinha apreendido e mexido com os temas de sua vida. "Foi impossível não ficar profundamente comovida", disse Espino.
"Eles tiraram coisas de minha vida, as reorganizaram e as colocaram diante de mim."
Acesso em 15/10/12
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