domingo, 7 de outubro de 2012

Restauração, a arte de manter a memória em cores vivas

Paciência, habilidade, conhecimento técnico, utilização de materiais específicos e de qualidade figuram na lista dos principais requisitos para o trabalho (ou a arte) do restaurador cearense Vlamir de Sousa. Há mais de 20 anos, ele empresta seu talento para recuperar raridades no campo das artes visuais.

Vlamir de Sousa trabalhando no restauro de uma obra de Anquizes Ipirajá, de 1934 fotos: Alex Costa

O pintor, responsável pela restauração do acervo da Casa de Juvenal Galeno, do painel "Abolição da escravatura no Ceará", de Raimundo Cela, trabalha com antiquários e colecionadores de arte da Cidade. Vlamir faz parte da terceira geração de artistas da família. A primeira é do avô Jacinto de Sousa, escultor e pintor na década de 1930, que dá nome ao museu de Quixadá; a segunda, representada pela mãe, Margarida de Sousa, da Sociedade Cearense de Artes Plástica (Scap), um dos primeiros movimentos artísticos do Estado.

Ela foi companheira de artistas consagrados, como Antônio Bandeira, Aldemir Martins, Carmélio Cruz e Mário Barata. Margarida começou a carreira fazendo retratos a óleo, talento que Vlamir de Sousa herdou dela. Algumas das obras dos contemporâneos de sua mãe, já passaram pelas mãos do jovem artista que diz ser capaz de diferenciar um autêntico Chico da Silva de uma imitação, de integrantes da sua escola, no Pirambu. As obras do pintor cearense Vicente Leite também passam com frequência por suas mãos, para trabalhos de restauro e de avaliação da autenticidade.
Estudo

Para restaurar, é preciso estudar os movimentos do artista, passando a conhecer seus traços e sua forma de pintar. Dessa maneira, é possível conhecer se a obra é verdadeira ou não. "A intervenção vai depender do estado de conservação da obra", adverte. Em algumas, faz apenas higienização e retoques; enquanto outras, necessitam de repigmentação.

"Sou pintor, restaurador e escultor", diz, explicando que a arte da restauração exige domínio diversificado de técnicas, passando pelo desenho clássico, o barroco, dentre outras escolas. Ele faz parte da geração de artistas que se firmou nos anos 1980, sem aderir à arte contemporânea, sendo sua temática mais regional, a exemplo da exposição que prepara sobre o cangaço, composto por 100 trabalhos.

Vlamir passou três meses restaurando o painel de Raimundo Cela, entregue à Academia Cearense de Letras, no dia 15 de agosto. Atualmente, ele realiza minucioso trabalho numa tela do pintor cearense Anquizes Ipirajá, de 1934, retratando a construção do açude público do Choró. O quadro encontra-se bastante castigado pelo tempo, apresentando inclusive rasgos na tela, além de moldura deteriorada. O restaurador conta que será necessário um "re-intelamento", após passar por higienização, para depois começar o trabalho de restauração da pintura da obra. "Utilizo cera de abelha ainda", diz, destacando o caráter artesanal do trabalho.

Vlamir de Sousa já recebeu no seu ateliê quadros de artistas como Barrica, Vicente Leite, Carmélio Cruz, Raimundo Campos, Heitor dos Prazeres e Pancetti, explicando que recebe encomendas de trabalhos da região Nordeste e até do Sul do País. "A intervenção vai depender do estado de conservação da obra", esclarece.

No caso da obra de Ipirajá, será necessário a limpeza, retirada de verniz e repigmentação da base pictórica. "Está com rasgão, necessitando que o tecido seja rejuntado sendo utilizado cera de abelha". O trabalho é, literalmente, milimétrico, sendo a tela dividida de dois em dois centímetros para a limpeza com solventes específicos. Todos os produtos químicos usados no processo são importados.

À medida que a limpeza vai sendo realizada, surge a cor original usada na obra. O artista estima concluir a obra dentro de dois meses. Explica que o trabalho exige conhecimento técnico de procedimentos, material e cuidado para que a intervenção não prejudique o trabalho.

Vlamir de Sousa afirma que Fortaleza está mudando no que diz respeito à preservação de suas obras, muitas vezes, não pela sensibilidade do trabalho artístico ou a própria arte, mas pelo valor de mercado. "São muitos trabalhos que chegam, mas sempre de artistas que já morreram e que agreguem valor de mercado". O mercado de restauração é bastante exigente. "As pessoas têm medo de colocar a obra na mão de qualquer pessoa", diz

Sobre o trabalho do restaurador, esclarece que é necessário se limitar a seguir à risca a obra, os traços, as cores, para manter a originalidade. Pensa que o próprio artista não conseguiria, porque não iria ter a mesma paciência. "São feitos estudos para entender o movimento do artista, devendo ficar atento aos pigmentos". O trabalho é artesanal, mas a tecnologia ajuda, sobretudo no momento de repor a pigmentação. Da mãe herdou a paciência e o esmero da arte de restaurar, lembrando que trabalhava com pintura e restauração de fotografia. "Na época, não havia fotografia colorida", conta, devendo a foto passar por um processo artístico, a sua mãe usava a técnica de óleo transparente. "A elite queria suas fotos com arte", diz, afirmando que grandes artistas trabalharam com essa técnica, citando Afonso Lopes (1918 - 2000).

Muitos artistas trabalhavam para os estúdios Aba Film e Esdras, assim como Margarida e Sousa. O pintor-restaurador realiza o trabalho de preservação da memória, ao restaurar os retratos pintados de Henriqueta Galeno, e obras de Otacílio de Azevedo, Barrica e do holandês que esteve no Ceará entre 1940 e 1950, Wambach, que pintou o quadro "Farol do Mucuripe", faz parte do acervo da Federação das Indústrias do Ceará (Fiec). (IS)
Acesso em 07/10/12

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