Sucesso de exposições em todo o Brasil destaca a profissionalização da figura do curador, responsável pelos detalhes das mostras e pela definição do olhar sobre a obra dos artistas
As artes plásticas viveram nos últimos anos no Brasil uma transformação. De setor destinado a iniciados, graças a decisões acertadas ele ganhou as massas. Na área cultural, atualmente, são as grandes exposições e eventos paralelos que conseguem atrair não só milhares de interessados como também muito dinheiro e a mídia. Parte da mudança se deve à atuação de um profissional: o curador. Se até há pouco tempo as exposições eram apenas depositárias de obras sem tanta lógica, hoje a maioria delas aposta em estratégias bem definidas. Em busca de repercussão, as instituições têm investido em propostas instigantes, seleções curiosas de obras, reflexões estéticas provocativas e inéditas. O inverso também se observa. Quem tem optado por projetos herméticos, sem pensar em meios eficazes de comunicação, tem colhido repercussão bem tímida.
A mostra Caravaggio e seus seguidores serve de exemplo. Foi a mais visitada na história da Casa Fiat de Cultura, em Belo Horizonte, atingindo a marca de 86 mil pessoas e provocando filas enormes. A repercussão em São Paulo tem superado as expectativas: a mostra, até hoje no Masp, já foi visitada por 160 mil pessoas, que pagaram para ver sete obras do mestre barroco e outras 15 telas de artistas influenciados por ele. Como trazê-las da Itália exige um esforço descomunal e, atualmente, só existem 62 quadros conhecidos do artista, a opção foi “potencializar” cada uma das telas, instigando o espectador com os mistérios, as curiosidades e as peculiaridades da mente conturbada de Caravaggio (1571-1610). Deu certo.
O crítico de arte e museólogo Fábio Magalhães, responsável no Brasil pela curadoria do projeto, tem explicação para o sucesso. “Por meio de um grupo de obras tentamos dar a dimensão do artista tornando mais abrangente e compreensível sua produção.” Segundo ele, não existem fórmulas prontas para exposições. “É sempre um desafio. Cada curadoria é uma problemática.” No caso de Caravaggio e seus seguidores, um dos trunfos foi Medusa Murtola, uma famosa tela que era até pouco tempo atrás atribuída ao mestre e, recentemente, foi identificada como verdadeira. Em sua primeira exibição fora da Itália ela causou intensa curiosidade. A comoção foi tanta no Brasil que, a pedido da presidente Dilma Rousseff, cinco telas do artista serão expostas entre 6 e 14 de outubro no Palácio do Planalto, em Brasília, e poderão ser visitadas em grupos de 30 pessoas. Em seguida, a mostra completa vai para a Argentina, onde será exibida no Museu Nacional de Bellas Artes, o Malba, a partir do dia 23.
Com várias exposições no currículo, o paulista Fábio Magalhães é defensor de certa invisibilidade da figura do curador nos projetos. Para ele, não só pega mal como soa pretensioso as mostras que, em vez de ressaltar o artista e as obras, colocam em primeiro plano um certo “conceito curatorial”. “Quando o olhar do curador quer se posicionar acima daquilo que está representando, fica complicado. Geralmente é mais comum em bienais e em exposições de arte contemporânea. Não raras vezes, a visão do profissional se coloca como mais importante do que a dos artistas. Não trabalho assim, mas vejo com frequência esses projetos.” Os exemplos de falta de profissionalismo são mais presentes do que se possa imaginar.
O que mais incomoda o pernambucano Moacir dos Anjos em projetos de exposições é quando o curador parte de uma questão preconcebida e, em seguida, sai em busca de obras apenas para “ilustrar” sua tese. Por outro lado, ele, que já foi até responsável pela Bienal de São Paulo, enumera os atributos de um bom profissional. “Antes de tudo, deveriam ter disponibilidade para tentar entender as criações, enxergando aquilo que trazem intrínsecas, e não tentar impor alguma ideia ou tema. O curador é, ou deveria ser, antes de tudo, um investigador atento às falas emitidas ou formuladas pelas ações, gestos ou trabalhos daquilo que entendemos como obra de arte.” Embora existam exemplos ruins em todo o país, nos últimos anos a tendência tem sido de amadurecimento dos profissionais, a maioria, autodidatas ou com outras formações.
Música e fotografia
O pianista Luiz Gustavo morava em Paris, quando, depois de tocar num festival em homenagem ao escritor e filósofo francês Jean-Paul Sartre, resolveu visitar a exposição fotográfica do lituano Antanas Sutkus. O impacto foi tão grande que, em viagem à Lituânia, resolveu procurá-lo. A empatia foi imediata. A admiração cresceu, até que ele resolveu propor uma parceria, com uma exposição na Galeria de Fotografia Chateau d'Eau, em Toulouse. Até então nunca havia realizado nada na área.
“Foi um desafio. Passei algumas noites sem dormir, pois tinha uma grande responsabilidade, que poderia dar certo ou não. Ainda bem que a repercussão foi positiva. Tentei propor uma seleção intuitiva das imagens, mas que também levasse em conta um trabalho de pesquisa.” O universo era vasto. Antanas fotografa desde os 17 anos o mesmo tema: a realidade dos povos simples da União Soviética. A parceria continua dando frutos. Ele acaba de abrir mostra de trabalhos do fotógrafo no Centro de Arte Contemporânea e Fotografia de Belo Horizonte.
Arte em primeiro lugar
O artista plástico André Severo, que atualmente integra a equipe de curadores da 30ª Bienal de São Paulo, é outro que chegou por acaso ao posto. Há dois anos, em Porto Alegre, onde vive, conheceu na Bienal do Mercosul o curador venezuelano Luís Peres Oramas. As preocupações e inquietações dos dois eram parecidas e, depois de trocarem publicações, iniciaram uma parceria. Quando surgiu o convite a Oramas para propor a temática da 30ª Bienal, lembrou-se de André. Aos 38 anos, o artista tem uma visão lúcida do papel de um curador num projeto deste porte. “É quase como se fosse um diretor de cinema ou de ópera. Não se faz nada sozinho e não é possível ter uma visão única. Quando isso ocorre, em geral se dá nas piores curadorias.”
Quando surgiu a proposta de pensar na ideia do discurso que iria nortear a Bienal de São Paulo, a equipe curatorial do projeto adotou algumas estratégias. “Visitamos artistas e conversamos com cada um deles . Tivemos dois anos de prazo”, diz André. A tentativa sempre foi, segundo ele, para que o pensamento não se sobrepusesse às propostas dos artistas. “Isso poderia destruir a potência maior do trabalho de cada um individualmente”, explica. Para ressaltar ainda mais a opção, a expografia foi pensada tentando estabelecer lugares para cada um dos convidados desenvolver sua proposta. “A bienal dá a chance o tempo todo ao espectador de desmontar o discurso conceitual.” Ao propor um projeto que coloca em primeiro plano a criação estética e as possibilidades de diálogo com o público, a bienal contribui para discutir a função do curador.
A mostra Caravaggio e seus seguidores serve de exemplo. Foi a mais visitada na história da Casa Fiat de Cultura, em Belo Horizonte, atingindo a marca de 86 mil pessoas e provocando filas enormes. A repercussão em São Paulo tem superado as expectativas: a mostra, até hoje no Masp, já foi visitada por 160 mil pessoas, que pagaram para ver sete obras do mestre barroco e outras 15 telas de artistas influenciados por ele. Como trazê-las da Itália exige um esforço descomunal e, atualmente, só existem 62 quadros conhecidos do artista, a opção foi “potencializar” cada uma das telas, instigando o espectador com os mistérios, as curiosidades e as peculiaridades da mente conturbada de Caravaggio (1571-1610). Deu certo.
O crítico de arte e museólogo Fábio Magalhães, responsável no Brasil pela curadoria do projeto, tem explicação para o sucesso. “Por meio de um grupo de obras tentamos dar a dimensão do artista tornando mais abrangente e compreensível sua produção.” Segundo ele, não existem fórmulas prontas para exposições. “É sempre um desafio. Cada curadoria é uma problemática.” No caso de Caravaggio e seus seguidores, um dos trunfos foi Medusa Murtola, uma famosa tela que era até pouco tempo atrás atribuída ao mestre e, recentemente, foi identificada como verdadeira. Em sua primeira exibição fora da Itália ela causou intensa curiosidade. A comoção foi tanta no Brasil que, a pedido da presidente Dilma Rousseff, cinco telas do artista serão expostas entre 6 e 14 de outubro no Palácio do Planalto, em Brasília, e poderão ser visitadas em grupos de 30 pessoas. Em seguida, a mostra completa vai para a Argentina, onde será exibida no Museu Nacional de Bellas Artes, o Malba, a partir do dia 23.
Com várias exposições no currículo, o paulista Fábio Magalhães é defensor de certa invisibilidade da figura do curador nos projetos. Para ele, não só pega mal como soa pretensioso as mostras que, em vez de ressaltar o artista e as obras, colocam em primeiro plano um certo “conceito curatorial”. “Quando o olhar do curador quer se posicionar acima daquilo que está representando, fica complicado. Geralmente é mais comum em bienais e em exposições de arte contemporânea. Não raras vezes, a visão do profissional se coloca como mais importante do que a dos artistas. Não trabalho assim, mas vejo com frequência esses projetos.” Os exemplos de falta de profissionalismo são mais presentes do que se possa imaginar.
O que mais incomoda o pernambucano Moacir dos Anjos em projetos de exposições é quando o curador parte de uma questão preconcebida e, em seguida, sai em busca de obras apenas para “ilustrar” sua tese. Por outro lado, ele, que já foi até responsável pela Bienal de São Paulo, enumera os atributos de um bom profissional. “Antes de tudo, deveriam ter disponibilidade para tentar entender as criações, enxergando aquilo que trazem intrínsecas, e não tentar impor alguma ideia ou tema. O curador é, ou deveria ser, antes de tudo, um investigador atento às falas emitidas ou formuladas pelas ações, gestos ou trabalhos daquilo que entendemos como obra de arte.” Embora existam exemplos ruins em todo o país, nos últimos anos a tendência tem sido de amadurecimento dos profissionais, a maioria, autodidatas ou com outras formações.
Música e fotografia
O pianista Luiz Gustavo morava em Paris, quando, depois de tocar num festival em homenagem ao escritor e filósofo francês Jean-Paul Sartre, resolveu visitar a exposição fotográfica do lituano Antanas Sutkus. O impacto foi tão grande que, em viagem à Lituânia, resolveu procurá-lo. A empatia foi imediata. A admiração cresceu, até que ele resolveu propor uma parceria, com uma exposição na Galeria de Fotografia Chateau d'Eau, em Toulouse. Até então nunca havia realizado nada na área.
“Foi um desafio. Passei algumas noites sem dormir, pois tinha uma grande responsabilidade, que poderia dar certo ou não. Ainda bem que a repercussão foi positiva. Tentei propor uma seleção intuitiva das imagens, mas que também levasse em conta um trabalho de pesquisa.” O universo era vasto. Antanas fotografa desde os 17 anos o mesmo tema: a realidade dos povos simples da União Soviética. A parceria continua dando frutos. Ele acaba de abrir mostra de trabalhos do fotógrafo no Centro de Arte Contemporânea e Fotografia de Belo Horizonte.
Arte em primeiro lugar
O artista plástico André Severo, que atualmente integra a equipe de curadores da 30ª Bienal de São Paulo, é outro que chegou por acaso ao posto. Há dois anos, em Porto Alegre, onde vive, conheceu na Bienal do Mercosul o curador venezuelano Luís Peres Oramas. As preocupações e inquietações dos dois eram parecidas e, depois de trocarem publicações, iniciaram uma parceria. Quando surgiu o convite a Oramas para propor a temática da 30ª Bienal, lembrou-se de André. Aos 38 anos, o artista tem uma visão lúcida do papel de um curador num projeto deste porte. “É quase como se fosse um diretor de cinema ou de ópera. Não se faz nada sozinho e não é possível ter uma visão única. Quando isso ocorre, em geral se dá nas piores curadorias.”
Quando surgiu a proposta de pensar na ideia do discurso que iria nortear a Bienal de São Paulo, a equipe curatorial do projeto adotou algumas estratégias. “Visitamos artistas e conversamos com cada um deles . Tivemos dois anos de prazo”, diz André. A tentativa sempre foi, segundo ele, para que o pensamento não se sobrepusesse às propostas dos artistas. “Isso poderia destruir a potência maior do trabalho de cada um individualmente”, explica. Para ressaltar ainda mais a opção, a expografia foi pensada tentando estabelecer lugares para cada um dos convidados desenvolver sua proposta. “A bienal dá a chance o tempo todo ao espectador de desmontar o discurso conceitual.” Ao propor um projeto que coloca em primeiro plano a criação estética e as possibilidades de diálogo com o público, a bienal contribui para discutir a função do curador.
Acesso em 30/09/12.