RIO - Desde que foi empossada a Comissão Nacional da Verdade, diferentes
entidades parecem ter sentido o impulso necessário para trabalhar projetos
relacionados à memória dos anos do regime militar. Na semana passada, a
prefeitura de Petrópolis publicou um decreto tornando a conhecida Casa da Morte
- onde podem ter sido assassinados mais de 20 guerrilheiros - um imóvel de
utilidade pública. O objetivo é transformar o local em museu. A professora do
curso de Direito da Universidade de Buenos Aires Patricia Valdez alerta, no
entanto, que estes espaços devem dialogar com os problemas do presente.
Patricia foi uma das organizadoras do maior centro de memória da Argentina: o
Parque da Memória em Buenos Aires inaugurado em 2007. A professora argentina
também foi diretora executiva da Comissão das Nações Unidades para a Verdade de
El Salvador e fundadora do Memória Aberta, organização que trabalha a
preservação da memória das violações e direitos humanos sofridos durante a
ditadura na Argentina.
Como você vê
esse esforço atual do Brasil em tratar o período da ditadura militar?
Acho que o
processo que o Brasil está fazendo é absolutamente interessante e mostra que os
esforços que foram feitos em diferentes governos, como a Comissão de Mortos e
Desaparecidos e a Comissão da Anistia, adquirem distintas luzes também pela
vontade política que acompanha e que coloca as iniciativas em um lugar mais ou
menos relevante. Realmente, em muitos outros países iniciativas boas não
resultaram tão relevantes porque não havia contexto ou manifestação para um
resultado mais firme. Mas, eu creio que de todas as maneiras, em cada passo
dado, apesar da decisão do STF (lei de anistia) não se pode dizer que no Brasil
não haverá Justiça porque Argentina, Chile, Uruguai, Peru mostraram que não há
caminhos fechados quando a demanda desde a sociedade é sustentada. E o tema da
memória, ainda que pareça estranho trazer, não é uma coisa que vem depois da
justiça, da verdade, porque são como quatro pilares: verdade, justiça,
reparação e memória.
Quando
pensamos na construção de centros de memória, o que é essencial no projeto?
A
recomendação que eu poderia fazer é que esses lugares não podem ser desenhados
e criados de uma vez e para sempre. Além disso, são lugares que precisam na sua
programação fazer pontes entre os problemas que estão abordando e os problemas
contemporâneos. E, sobretudo, as pontes precisam gerar um compromisso nos
visitantes: as pessoas precisam entender que as soluções para os problemas de
hoje precisam do seu envolvimento. Nem sempre quem cria um centro de memória se
pergunta quais são os públicos que vão visitar esses lugares. Um centro de
memória não pode ser só um lugar de homenagem ou onde o relato esteja
exclusivamente centrado nos grupos sociais diretamente atacados. A narração
sobre o que ocorreu tem que ser pensada parar ser recebida por diferentes
gerações e que não podem, ao ver ou escutar testemunhos de pessoas que foram
heróis em seu tempo, pensar que essas pessoas estão longe de seu alcance, sem
vínculo com o visitante.
Nesse
contexto, seria necessário que esses locais dialogassem com problemas atuais?
Sim, às
vezes, tenho a impressão de que é mais fácil, narrar e render homenagens sobre
os atos das ditaduras do passado do que fazer algo sobre os problemas graves de
direitos humanos que estão afetando nossas sociedades hoje. As reivindicações
dos movimentos de direitos humanos não estão encontrando a força que permite
uma adesão social para conter a prática da tortura para pessoas que não são
perseguidos políticos, mas para aqueles que recebem isso como parte natural do
tratamento das forças de segurança.
Que projetos
assim existem na Argentina?
O Parque da
Memória em Buenos Aires, por exemplo, tem uma aposta importante de combinar uma
beleza natural muito imponente, a simbologia terrível e dramática de estar
construído ao lado do rio - que sabemos foi o lugar onde um grande número de
desaparecidos foram jogados ainda com vida - e o uso da arte contemporânea como
um veículo de comunicação. Cada uma das coisas pode ser em muitos casos uma
matéria de debate.
Quais são as
reações?
Algumas
pessoas podem pensar que um lugar muito belo conspira contra a lembrança de
atos muito dramáticos, ou ainda a homenagem ao lado do rio está vinculada
demais com a morte e a tragédia. Mas, em geral, a reação é muito positiva
porque é monumental no sentido da densidade dos nomes, da quantidade, dá conta
das dimensões do dano às famílias e a sociedade. Eu diria que quem conhece o
parque sofre um grande impacto, toma conhecimento, que é o importante que tem
que gerar, sem conhecer não há como fazer nada sobre o passado.
Como os
outros países que viveram ditaduras tem trabalhado iniciativas de memória?
Há projetos muito valiosos em vários
lugares, o Museu da Memória e Direitos Humanos no Chile inaugurado pela
presidente Michele Bachelet antes do fim de seu governo tem alto nível de
sofisticação tecnológica e grandes recursos. No Chile existe ainda, a Villa
Grimaldi, o primeiro centro de memória criado, o Memorial Paine, a Casa de
Memória Domingo Cañas, o Estádio Nacional, e vários outros mais. No Peru, há
muitos no interior, em especial nos lugares próximos aos combates da guerra
entre o Sendero Luminoso e o governo peruano. Agora, há também um projeto da
criação de um museu. No Uruguai, eles sempre tiveram um memorial na colina de
Montevideu e um museu.
Por Juliana
Dal Piva (juliana.piva.rpa@oglobo.com.br)
Fonte: http://br.noticias.yahoo.com/centros-mem%C3%B3ria-precisam-dialogar-problemas-presente-120736461.html
acesso em 5/9/12
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